CONSTRUÍMOS
NOTÍCIA
Opinião

Bruno de Carvalho Matos, Engenheiro Civil

Riscos da Contratação de Projetos e Obras ao Preço mais baixo

22 de novembro de 2024

O setor da construção tem-se deparado com vários desafios de caráter sistémico, destacando-se a elevada fragmentação da cadeia de valor e a volatilidade do mercado; a informalidade na contratação e a precariedade laboral; a reduzida produtividade; a falta de formação e qualificação; a concorrência intensa e centrada no preço mais baixo; e a falta de regulação das atividades de engenharia e construção.

Este conjunto de fatores, por sua vez, tem justificado, de forma preocupante, uma realidade de honorários de projeto, consultoria e fiscalização e de orçamentos de obra relativamente baixos.

Neste contexto, assumem especial importância os promotores dos empreendimentos, que, no processo de seleção de fornecedores e prestadores de serviço, frequentemente priorizam o critério do preço mais baixo. Tal poderá justificar-se, no domínio público, por condicionantes de complexidade, morosidade, conhecimento e capacidade administrativa associadas a análises de decisão multicritério; e, no domínio privado, por motivos de redução dos custos iniciais para aumentar a competitividade e maximizar o retorno do investimento. De facto, o critério do preço mais baixo poderá ser mais eficaz em casos de âmbito bem definido (quem vai fazer o quê, quando e como), mas tal raramente acontece.

A contratação ao preço mais baixo pode, assim, ter várias consequências negativas.

Em particular, mediante recursos menos qualificados ou menos dedicados, o desenvolvimento dos projetos de arquitetura e engenharia (fase de conceção) é mais propício a erros, omissões e incompatibilidades, que são tendencialmente transferidos para os empreiteiros (fase de obra). Estes, por sua vez, sob a pressão de custos e prazos, poderão procurar compensar perdas ou incrementar ganhos com trabalhos a mais ou redução de custos de materiais e mão-de-obra, comprometendo a qualidade pretendida e o desempenho a longo prazo (fase de exploração), com um subsequente aumento do risco de litígios.

Com uma diminuição da rentabilidade, a pressão financeira pode ainda revelar-se especialmente crítica perante o elevado endividamento e falta de liquidez das empresas do setor, além de não incentivar à valorização das pessoas através de melhores condições laborais (e.g. salários e regalias) e mais investimento em formação e qualificação, o que, por conseguinte, acentua os reconhecidos problemas de inovação, sustentabilidade, segurança e produtividade e de atração e retenção de talento que a construção enfrenta.

As medidas a implementar podem ser analisadas ao nível da organização e do governo.

Ao nível organizacional, deverão as entidades contratantes adotar métodos de análise multicritério para suportar a seleção dos melhores candidatos, valorizando adequadamente cada critério em função das suas necessidades e preferências. Adicionalmente, é recomendável a realização de análises de ciclo de vida (conceção-obra-exploração), demonstrando assim que, de facto, os encargos associados a serviços de projeto, consultoria, fiscalização e obra são irrisórios quando integrados numa avaliação de longo prazo, onde os custos inerentes à operação e manutenção e aos riscos de não valorar devidamente as atividades de desenvolvimento e controlo da conceção e da obra são os mais significativos.

Constituem responsabilidades principais do Estado a regulação do trabalho e dos processos de contratação pública, fomentando práticas justas e transparentes, com impacto também no domínio privado. Não obstante, não existem regras suficientemente claras e abrangentes, com valores de referência, para condicionar o fator preço na contratação de serviços ao longo da cadeia de valor da construção, incluindo projetistas, consultores e empreiteiros, deixando a sua definição ao bel-prazer das entidades contratantes, tanto públicas quanto privadas.

A celebração de acordos coletivos de trabalho pode ser uma medida eficaz, através do estabelecimento, entre outras disposições, de condições específicas de remuneração que atendam às necessidades e particularidades do setor. Requer, contudo, consensualidade e cooperação entre todas as partes relevantes da arquitetura, engenharia e construção, incluindo associações profissionais e, sobretudo, o governo, para exponenciar a sua implementação generalizada.

Dito isto, é premente a valorização da mão-de-obra no setor da construção, de modo a ultrapassar alguns dos seus maiores desafios, destacando-se em particular a falta de engenheiros e operacionais para dar resposta à crescente necessidade de edifícios e infraestruturas. Para tal, é fundamental a ação do Estado, enquanto entidade legisladora e reguladora.

Bruno de Carvalho Matos

Engenheiro Civil

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico