Temos de falar sobre a RE/MAX
Quando comecei a escrever este artigo, o primeiro título que me veio à cabeça foi “o fim de uma era”. Mas, em rigor, o trocadilho não funciona, embora acredite que estamos mesmo a viver tempos de mudança, que se prendem com a decisão da marca voltar atrás nas partilhas 70/30 e voltar a considerar (com algumas exepções) a partilha de negócio a 50/50 a partir deste mês.
A notícia, não sendo nova – o anúncio de voltar ao que a marca era foi comunicada internamente a brokers, consultores e agências e exponenciada externamente pelo sempre atento Agente Funini – representa o início de uma nova fase na RE/MAX. E digo nova fase porque, depois disto, acredito que nada ficará como dantes na marca do balão. Porque, ao contrário de outras decisões onde a marca foi percursora – por exemplo, relativamente à questão da angariação de imóveis em exclusivo – onde criou tendência e levou as restantes a seguir pela mesma bitola, desta vez, na decisão dos 70/30, o tiro saiu-lhes pela culatra e, ao invés de criarem tendência, conseguiram foi que inúmeros consultores se afastassem e procurassem novos caminhos.
Tendo em conta que estamos a falar da marca maior em Portugal, em número de consultores, agências e facturação, desconheço, confesso, o que o reconhecimento desta debilidade estratégica irá fazer pela marca e pelo seu futuro em Portugal.
Diz quem sabe que os últimos meses não foram fáceis. Neste mundo imobiliário, onde a maioria dos profissionais está nesta vida para, pura e simplesmente, ganhar dinheiro, a perspetiva de lhes mexerem na carteira acaba por ser o alfa e o ômega de muita gente que por aqui anda. Por isso, quando muitos consultores da RE/MAX interpretaram a decisão da marca como uma limitação à sua ambição monetária, impedindo-os de ganhar o que acham que lhes é devido, o caminho natural foi procurar na marca ao lado melhores condições (ou menores limitações) do que a sua marca de sempre lhes estava preparada para oferecer.
A marca do balão estendeu a estratégia do 70/30 até ao limite do que lhes foi razoável, num insano equilíbrio entre ceder perante as evidências e perceber que este tiro foi ao lado. E, paralelamente por reconhecer que a sangria entre os seus consultores não estava a parar e que, se não fossem tomadas medidas atempadamente, esta poderia rapidamente transformar-se numa hemorragia com consequências imprevisíveis.
Pouco mais de um ano depois (recordem-se que a medida vigorou desde o dia 1 de março de 2022) está certamente ainda por fazer a contabilidade de quanto é que a RE/MAX perdeu nesta aventura do bosque, entre consultores que saíram, agências que fecharam, más decisões de marketing e comunicação, e naturalmente, os inúmeros negócios que foram feitos à revelia (e às escondidas) das decisões da RE/MAX por consultores sem escrúpulos que, lá está, privilegiam o dinheiro à marca.
Diz-me quem saiu que a marca perdeu muito nestes últimos tempos. Não apenas grandes consultores e brokers, mas também parte da alma inicial que levou a que muitos que se iniciaram nas lides do imobiliário pela RE/MAX ainda por lá andassem ao fim de todos estes anos. Alguns saíram durante o COVID e o confinamento - nessa altura, como se recordarão, a decisão da RE/MAX de continuar a exigir fees de franchising apesar do País estar fechado, custou-lhes alguns profissionais e agências. Agora, nos 70/30, uma nova leva de profissionais justificou a sua saída com esta decisão e abandonou aquela que era a sua casa de sempre.
No reverso da medalha, diz-me quem ficou que, na boa lógica lusa, só faz falta quem cá está e que a partir de agora a RE/MAX vai ser ainda melhor do que o que estava porque os que saíram nunca perceberam a dimensão do projecto e o potencial que este encerra num mercado como o nosso.
Seja como for, o facto é que, em três anos, entre o que se sabe e o que se diz à porta fechada, há uma quota de erros na marca líder que certamente fizeram mossa. Agora, com o desequilíbrio feito e o(s) erro(s) assumido(s), resta perceber se, entre os escombros da guerra, haverá na RE/MAX quem ainda consiga reverter parte dos danos entretanto criados.
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)