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Opinião

Nuno Garcia, diretor-geral da GesConsult

Será que os jovens ainda conseguem comprar casa em Portugal?

23 de junho de 2023

Ter autonomia e mais independência é, naturalmente, a aspiração de qualquer jovem que se prepara para fazer a transição para a vida adulta. Ainda assim, já não é novidade: a maioria dos jovens portugueses está a enfrentar dificuldades sérias na aquisição da primeira casa e, tipicamente, só consegue atingir a maturidade financeira necessária para concretizar a compra numa fase posterior da vida. A complexidade de assegurar o valor de entrada, os preços atuais das casas, os salários baixos e o aumento do custo de vida em geral são alguns dos fatores que levam Portugal a ser o quinto país da União Europeia onde os jovens saem de casa mais tarde (cerca de quatro anos mais tarde do que a média europeia, que atualmente se situa nos 26,4 anos), segundo dados de 2021 da Eurostat. 

O preço das casas subiu cerca de 50% nos últimos cinco anos. No entanto, cerca de 70% dos jovens entre os 20 e os 30 anos, não possui rendimentos mensais superiores a 950 euros líquidos. Isto faz-nos chegar a uma conclusão simples: os preços dos imóveis estão a escalar de uma forma que os salários não estão a ser capazes de acompanhar. 

Muito se fala no pacote Mais Habitação, escrutinado até à exaustão. Por mais medidas anunciadas, por mais ajustes feitos, a verdade é que nenhum dos anúncios constantes por parte do Governo parece vir a ser capaz de trazer mudanças reais. E os jovens continuam sem respostas à vista. 

Mas, afinal, que medidas poderiam ser tomadas para melhorar o panorama? Olhemos, por exemplo, para o que está a ser feito no país vizinho, onde a crise na habitação também tem afetado bastante as camadas mais jovens. No mês passado, o Governo espanhol anunciou que vai ajudar a superar uma das maiores dificuldades que impede vários jovens de adquirirem casa: juntar dinheiro para o valor de entrada. Fundamentalmente, a medida implica que o Estado se comprometa com garantias públicas até 20% do valor dos empréstimos para quem tem até 35 anos de idade, está a comprar casa pela primeira vez e tem um rendimento anual inferior a 37.800 euros, assumindo, perante o banco, o risco sobre uma parte do empréstimo, no caso de incumprimento. A intenção é simples: tornar mais acessível a um maior número de jovens e famílias a compra de habitação e facilitar o acesso ao crédito para aqueles que não têm a possibilidade de cumprir as exigências bancárias. 

É bom estarmos atentos ao que se passa à nossa volta, mas é igualmente fulcral olharmos de forma crítica para o que é a nossa realidade. O Estado português possui atualmente um parque habitacional que corresponde a cerca de 2% do total do mercado - valor extremamente baixo e que não é capaz de permitir o combate à subida dos preços que se faz sentir. É preciso aumentar o parque público habitacional, bem como garantir que existem imóveis para venda a custos controlados e acessíveis ao público em início de vida. Além disso, não deixemos de parte as questões do arrendamento, dado que creio ser igualmente clara a necessidade de se estabelecerem políticas de arrendamento estáveis, que não mudem com as legislaturas e que promovam o aumento da confiança neste mercado.

No fundo, os jovens querem apenas medidas reais, mudanças palpáveis e, acima de tudo, que a sua independência e autonomia não seja deixada para tarde demais. Se queremos que estes continuem a preferir o nosso país para se estabelecerem e começarem as suas vidas, é urgente que se intervenha em seu benefício.

Nuno Garcia

Diretor-geral da GesConsult

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico