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Opinião

Francisco Mota Ferreira

Repensar novas formas de arrendamento

11 de novembro de 2024

Durante décadas, Portugal viveu sob a égide do mercado de arrendamento. O século XX foi, aliás, caracterizado por essa tendência, que só teria uma inversão quando, nos anos 90 do século passado, o Governo socialista de António Guterres e a Banca encontraram forma de transformar Portugal num País de proprietários.

Comprar ou arrendar uma casa são ambas opções legítimas a quem escolha uma ou outra solução. Nos dias de hoje, nomeadamente nas grandes cidades, o mercado de arrendamento teve uma explosão que levou a que, em muitos casos, seja quase mais barato pagar a prestação da compra de um imóvel à Banca do que recorrer ao arrendamento pagando por algo que nunca será nosso.

São, reforço, opções legítimas que, não obstante, nos devem levar a pensar até que ponto é que o arrendamento em Portugal não deve levar aqui uma volta, dotando-o de melhores condições para todas as partes.

Podemos ser todos imensamente modernos, achar que Portugal está na berra por causa dos nómadas digitais e dos turistas, mas o facto é que, tradicionalmente, o mercado de arrendamento caracteriza-se ainda nos dias de hoje por processos burocráticos, contratos complexos e uma experiência pouco ágil para senhorios e inquilinos.

No entanto, com a crescente influência da transformação digital e a popularidade das plataformas online de arrendamento temporário, como Airbnb e ou o Booking, será que o arrendamento de longo prazo vai modernizar-se para se alinhar com a simplicidade destas plataformas? Quem normalmente as utiliza – quanto mais não seja para marcar as suas férias – sabe bem do que falo. Revolucionaram o sector, ao introduzir contratos digitais, pagamentos automatizados, avaliações em tempo real e suporte ao cliente, simplificando todo o processo de arrendamento.

Em contraposição, o arrendamento tradicional ainda é marcado por uma rigidez legal que dificulta a adoção de processos mais dinâmicos. Já para não falar da imensidão de condições que os proprietários impõem para arrendar o seu imóvel ao potencial interessado: várias rendas de adiantamento, um fiador, letras miudinhas e um sem número de características que fico sempre a pensar quando é que os desgraçados que querem arrendar uma casa vão ter que entrar num programa voluntário de doação de órgãos.

Felizmente, a realidade pode levar a que, no mercado do arrendamento, as coisas acabem mesmo por mudar. No final de contas, se já há formas simples de fazer o mesmo procedimento, se cada vez mais há um desejo de maior transparência e eficiência, nada impede que possa finalmente existir um encontro de vontades para acelerar uma mudança necessária.

O caminho, acredito, passa cada vez mais por aqui. Flexibilidade, que permita que os contratos de arrendamento sejam mais adequados a quem está a arrendar e até mesmo personalizáveis, permitindo que inquilinos ajustem a duração do contrato ou os termos de pagamento de acordo com as suas necessidades, o que seria ideal para profissionais em mobilidade ou até para os nómadas digitais.

Por outro lado, tecnologias como o blockchain têm o potencial de transformar o sector, ao introduzir a possibilidade de se criarem smart contracts, que automatizam a execução de termos contratuais, como pagamentos de renda e devoluções de cauções, aumentando a segurança e transparência para todas as partes envolvidas.

No estrangeiro, por exemplo, já há algumas experiências que abrangem um modelo de subscrição residencial, inspirado em serviços como Netflix ou Spotify, onde os inquilinos pagam uma mensalidade fixa que lhes dá acesso a várias facilidades dentro de uma rede, com serviços adicionais incluídos, como limpeza e manutenção. Este modelo, ainda incipiente em Portugal, poderia atrair jovens profissionais que valorizam a flexibilidade sem o compromisso de contratos de longa duração.

Mas por aqui, nas plataformas de arrendamento de longo prazo, já se começa a ver, por exemplo, o uso de inteligência artificial para facilitar a correspondência entre senhorios e inquilinos, ajustando automaticamente as preferências e perfis dos utilizadores. Em Portugal, plataformas como Uniplaces já utilizam tecnologias avançadas para otimizar o arrendamento a estudantes, com potencial de expansão para o mercado mais amplo.

O futuro está já aqui, mesmo que não seja usado em Portugal com frequência. Modelos de co-living, que promovem espaços de vida partilhados, atraindo pessoas que valorizam o sentido de comunidade e a possibilidade de ter uma maior flexibilidade contratual. Lá fora, empresas como Housers e Hubr, por exemplo, têm sido pioneiras neste mercado, oferecendo opções de arrendamento que combinam conveniência com um espírito comunitário.

Por cá, temos, por exemplo, o "Programa de Arrendamento Acessível" para promover rendas mais justas. Mas, apesar de alguns sinais promissores (nomeadamente vindos da iniciativa privada), há ainda um longo caminho a percorrer para que a integração tecnológica torne o arrendamento mais acessível e eficiente para todos os intervenientes.

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio).