
Francisco Mota Ferreira
Quem quer ter um salário no imobiliário?
No setor imobiliário, o debate sobre a forma de remuneração dos consultores é recorrente, especialmente quando se consideram os modelos de apoio através de um salário inicial versus o sistema tradicional de comissões elevadas. Cada abordagem apresenta vantagens e inconvenientes, para os profissionais e empresas e, a meu ver, a escolha entre uma ou outra deve levar em conta a realidade do mercado, o perfil dos consultores e os objetivos estratégicos da empresa.
Ao optar por um modelo híbrido que, por exemplo, pode contemplar um período inicial de três meses com uma compensação financeira – geralmente fixada em valores inferiores ao Salário Mínimo Nacional (SMN)– associado a comissões mais baixas, a empresa cria um ambiente de suporte para o consultor que está a começar na profissão. Esse apoio - não o chamaria de salário - destina-se a cobrir as despesas iniciais, com, nalguns casos, a empresa a oferecer a formação inicial, e permite que o profissional recém-chegado se concentre no desenvolvimento das suas competências sem a pressão imediata de depender exclusivamente dos resultados. Para o consultor, essa segurança financeira temporária pode ser crucial nos primeiros meses, quando ainda está em processo de adaptação ao mercado e não possui uma carteira de clientes estabelecida. Além disso, para a empresa, essa abordagem acaba também por representar um mecanismo de avaliação, permitindo identificar o potencial dos novos consultores e garantir que os consultores contratados possuem, de facto, a capacidade de alcançar os objetivos traçados. Assim, o modelo híbrido funciona como uma espécie de teste, no qual tanto o profissional quanto a empresa podem confirmar se a relação de trabalho é mutuamente benéfica.
Por outro lado, a maior parte das empresas imobiliárias opta pelo sistema baseado em comissões mais altas – normalmente a partir dos 40% ou 50% –, sem a oferta de um salário fixo. Essa modalidade favorece aqueles consultores que já possuem um perfil empreendedor e que estão dispostos a correr maiores riscos em troca de uma remuneração potencialmente mais elevada. A possibilidade de ganhos significativos, decorrente de transações bem-sucedidas, pode servir como um forte estímulo para consultores com ambição e confiança na sua capacidade de fechar negócios. Contudo, para profissionais que estão a iniciar, essa dinâmica pode ser desafiadora, já que a ausência de um suporte financeiro nos primeiros tempos pode dificultar a consolidação da carreira, especialmente num mercado que exige experiência e rede de contatos estabelecida. Do ponto de vista da empresa, embora esse modelo exija um investimento inicial menor, sem encargos fixos mensais, este também implica um maior risco, uma vez que o desempenho dos consultores deve ser suficientemente robusto para garantir a sustentabilidade financeira do negócio.
O modelo com salário inicial pode ser visto como um investimento no potencial humano, ajudando a formar consultores que, mesmo sem experiência prévia, podem desenvolver competências valiosas e adotar os métodos e cultura da empresa desde o princípio. Essa abordagem é particularmente útil em mercados onde a procura por talento e a fidelização de novos profissionais se torna competitiva, permitindo que a empresa se beneficie de um quadro formado por talentos “em bruto”, que ainda não foram contaminados por experiências negativas ou métodos de trabalho menos produtivos adquiridos em outras organizações. Sem vícios, portanto.
Por outro lado, os valores abaixo do SMN podem ser objeto de críticas por não oferecerem uma remuneração justa, ainda que temporária, o que pode impactar negativamente a motivação de alguns profissionais e até mesmo a sua capacidade de arcar com os custos de deslocamento, marketing pessoal e outras despesas inerentes à profissão.
Na perspetiva das empresas, investir numa compensação inicial pode representar uma vantagem competitiva na captação de talentos, mas envolve também o custo de um investimento prévio que pode não ter retorno se o consultor não atingir as metas estabelecidas ao fim do período experimental. Acresce ainda que a transição para um sistema de comissões mais baixas durante a fase de adaptação ainda pode ser percebida como uma desvantagem pelo profissional, comparado com colegas que, em outros ambientes, possam iniciar diretamente num sistema de comissões mais altas. No entanto, essa política permite à empresa identificar os colaboradores que realmente possuem aptidão para transformar leadsem negócios lucrativos, evitando assim a contratação de profissionais que possam representar uma falha no investimento.
A decisão entre oferecer um salário inicial ou aderir a um modelo puramente baseado em comissões envolve uma análise estratégica dos objetivos da empresa e do perfil do mercado imobiliário em que consultor e agência se inserem. Enquanto o modelo híbrido pode criar uma base mais sólida para o desenvolvimento do consultor e fomentar uma cultura de formação e crescimento, impõe também desafios relacionados à remuneração mínima e à necessidade de um acompanhamento intensivo. Por seu turno, o sistema de comissões elevadas tende a atrair profissionais mais experientes e com maior disposição para assumir riscos, mas pode limitar a entrada de talentos em início de carreira. Não há, a meu ver, uma resposta certa: cada modelo possui suas vantagens e inconvenientes e, por isso, a escolha deve ser feita ponderando cuidadosamente as necessidades específicas do mercado e as metas de crescimento tanto para os consultores e para a empresa.
Francisco Mota Ferreira
francisco.mota.ferreira@gmail.com
Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022), “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) e “Conversas sobre o Imobiliário” (2024) | Editora Caleidoscópio.
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico