
Bruno de Carvalho Matos, Engenheiro Civil
Construção de Edifícios de forma 'Agile'
Os projetos de construçao são tradicionalmente geridos segundo uma abordagem em “cascata” (do inglês, “waterfall”), ou seja, segundo um fluxo contínuo de atividades sequenciais que abrangem as fases de viabilidade, conceção e execução, até à entrega final do empreendimento. O sucesso desta abordagem depende, contudo, de um planeamento e gestão do risco rigorosos em termos de âmbito e responsabilidades, algo que raramente acontece ou é realmente eficaz, por vários motivos.
É neste sentido que a metodologia Agile, frequentemente aplicada ao desenvolvimento de software desde há mais de 20 anos, ganha especial interesse para o setor da construção. A sua implementação consiste em dividir o projeto em subprojetos (“sprints”), não necessariamente dependentes, mas que permitem evoluir de forma gradual ao mesmo tempo que se testa o conceito e se ajustam os requisitos conforme as necessidades e preferências do cliente. Isto é aplicável, por exemplo, através da conceção e execução de partes de um edifício ou de um conjunto de edifícios (subprojetos), de forma incremental, iterativa, paralela e ajustável, sem a necessidade assim de pré-definir e executar completamente o planeamento global do projeto (edifício completo ou complexo de edifícios).
Embora, na prática, de forma empírica e informal, este processo possa ser muitas vezes aplicado na construção, por motivos como a dimensão e complexidade dos projetos e a falta de coordenação entre os diversos intervenientes, o mesmo não é, certamente, aplicado de forma metódica e consciente.
De entre as vantagens associadas à metodologia Agile (vs. processo de gestão tradicional ou “waterfall”) destacam-se a maior flexibilidade e adaptabilidade perante a evolução dos requisitos do projeto; o maior incentivo à colaboração, comunicação e transparência entre as diferentes equipas do projeto (e.g.projetistas, empreiteiros, fiscalização e dono da obra); e o maior controlo sobre as entregas da obra, de forma progressiva, optimizada e adaptada aos interesses do cliente.
Enquanto exemplos de métodos Agileaplicáveis à construção existem o Scrum, que se foca na divisão do projeto em fases distintas e geríveis com objetivos e entregáveis específicos (e.g.1) fundações e estruturas, 2) fachadas, 3) acabamentos e instalações); o Kanban, que incide no controlo das tarefas em tempo real e na alocação mais ou menos intensa de recursos consoante o progresso (e.g. controlo de materiais, mão de obra e equipamentos para a execução das fundações); e o Lean, que procura aumentar a produtividade dos trabalhos e reduzir desperdícios (e.g.recurso à construção modular e entregas just in time na execução dos acabamentos).
Os principais desafios para o sucesso deste tipo de implementação na construção relacionam-se com: a elevada fragmentação e dispersão da cadeia de valor da construção, que dificulta a coordenação, e a falta de formação das diferentes partes interessadas, em termos processuais e tecnológicos; a interdependência de muitas fases e tarefas de um projeto de construção, que dificulta a aplicação de entregas incrementais e de ciclos curtos; a preferência geral dos donos de obra por contratos com preço global fixo e não revisível, que podem não ser compatíveis com uma aplicação Agile; e as eventuais limitações regulamentares e legais, designadamente no âmbito da contratação pública.
Assim, para capitalizar sobre os benefícios da metodologia Agile devem ser tomadas medidas específicas, ao nível das organizações e do governo.
Ao nível organizacional, enumera-se, por exemplo, o investimento na formação e capacitação dos profissionais, em parceria com instituições de ensino e de consultoria que detenham conhecimentos específicos nesta área; a implementação de ferramentas de gestão que permitam o controlo das variáveis mais relevantes dos projetos em tempo útil; e a criação de equipas multidisciplinares para tomar decisões e resolver problemas de forma autónoma e célere.
Por último, na esfera governamental, podem ser criadas políticas públicas e programas de incentivo à inovação e tecnologia que estimulem a adoção de processos ágeis no desenvolvimento de projetos de construção, incluindo a simplificação de normas e regulamentos (e.g.relativos a contratação, licenciamentos e autorizações) para facilitar o dinamismo característico destas formas de trabalhar.
Bruno de Carvalho Matos
Engenheiro Civil
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico