CONSTRUÍMOS
NOTÍCIA
Opinião

Francisco Mota Ferreira

Preços para todos os gostos

29 de abril de 2024

Correndo o risco de ser considerado mais lento do que a maioria das pessoas que lida com o mercado residencial de forma frequente (NOTA para os mais distraídos: a aceção de lento aqui definida vai inspirar-se na criatividade recente do nosso Presidente da República), confesso-vos que me faz alguma impressão a forma como se definem os preços das habitações em Portugal.

Eu sei que temos os portais e os estudos de mercado, que nos auxiliam nessa definição, acredito que o Instituto Nacional de Estatística possa dar também uma ajuda, a profissionais e a leigos, e temos, naturalmente, um manancial de especialistas (nos quais eu, obviamente, não me incluo) que nos dizem que as casas vão subir ou descer, que já subiram muito ou pouco ou que a todo o momento vamos ter novidades nesta matéria.

Compreendo que possa ser fácil para quem está habituadíssimo a lidar com este tema, mas há sempre alguma parte mais cética em mim que me faz acreditar que há, na definição dos preços dos imóveis, muita dose de achismo, alguma fezada e pouco profissionalismo. E a coisa até se explica fazendo o exercício de ir ao Dr. Google e fazer a pergunta nos dois sentidos. Primeiro perguntamos se o preço das casas vai subir, e encontramos imensos artigos que ilustram essa tendência. E, depois, perguntamos se vai descer, e lá voltam a aparecer um manancial de informações que corroboram a nossa pesquisa.

Estar vivo é o contrário de estar morto, já nos ensinava, se não estou em erro, a nossa querida Lili Caneças, e há, portanto, formas e argumentos que permitem a qualquer profissional do imobiliário poder atirar um preço para cima da mesa. Porque viu no portal, porque conhece a zona, porque fez o tal estudo de mercado ou, no limite, apenas porque sim.

O problema, nestas coisas, é que o mesmo tipo de razão que assiste um profissional para fazer valer o seu argumento junto do cliente, morre pela base quando o cliente não concorda e diz aquela frase mortal: “isso é tudo muito bonito, mas eu acho que a minha casa vale x”, sendo que aqui o “x” é, obviamente, um valor superior aquele que o consultor imobiliário apresentou. Ou seja, quando o cliente acha que se substitui ao profissional, no limite também porque sim.

E, vamos ser concretos, se há profissionais que até fazem a coisa como deve ser, apresentando o valor justo tendo em conta o manancial de variáveis ao dispor (preço, m2, ano, localização, etc.) outros há que, considerando isso mesmo, baixam deliberadamente este valor para que o imóvel possa ser mais rapidamente vendido e encaixar mais depressa a ambicionada comissão.

Mas, mesmo quando não é este o caso, também, como sabemos, temos os consultores que, na sanha de tentar angariar o cliente e o imóvel, até aceitam o valor proposto pelo cliente, dando espaço para que aquela seja a primeira de muitas interferências que este irá fazer junto do consultor (e da agência) para que a sua casa seja vendida ao preço que o cliente entender ser o correto (e não aquele que o profissional apresentou).

Vem nos livros que o preço é influenciado também pelos fenómenos de oferta e de procura. E quando a procura está alta e a oferta é escassa, abre-se caminho a que possam surgir as maiores perversões do mercado, com preços inflacionados só porque sim. Ou, no limite, só porque há um interesse especial por aquela zona ou aquele imóvel em concreto.

De igual forma, também se a oferta é muita em face da procura, os imóveis tendem a descer, acabando por ser subvalorizados porque, afinal, há muita opção à vista.

Termino, sem que tenha, confesso, uma solução para este dilema. O preço de um imóvel e a sua variação depende de um número tão difuso de fatores que acertar no preço certo (ou, no limite, no preço justo), é uma jogada de Totobola, podendo correr bem ou não para todos os seus intervenientes.

Já não é a primeira vez que comparo o sector imobiliário com o sector automóvel e hoje volto a fazê-lo: tenho alguma pena que o mercado não tenha ainda conseguido encontrar com as casas o que já ocorre nos automóveis: os preços são o que são e quem vai adquirir o modelo x da marca y sabe que a variação do valor final é diminuta e depende muito da margem comercial do stand e menos da determinação das marcas que ditam os intervalos de preços.

É, obviamente, irreal, achar que o caminho no imobiliário pode passar por algo deste género, mas seria interessante pensar-se nalgum mecanismo de regulação dos preços, que mostrasse que o imóvel x na zona y, pode ter um determinado intervalo. Que seria ajustado, em função de varáveis quantificáveis e não critérios subjetivos. Algo que, no fundo, fosse criado para que não existisse tanta disparidade, mas, acima de tudo, para que não existisse tanta discricionariedade. Faz sentido?

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio).