Preconceito imobiliário
Nunca sofri de qualquer preconceito imobiliário e sempre achei que, em termos de geografia e localização, o que hoje está in e simpático amanhã, por diferentes motivos que ninguém controla, passou a estar out e horrível de ser frequentado.
Lembro-me, aliás, no meu grupo de amigos da universidade, conviviam alegremente pessoas cujos apelidos tinham muitos “l” e “m” e “de” com os “Silva” desta vida, sem que isso se traduzisse num referencial de uma suposta superioridade ou inferioridade, tão só e apenas porque éramos de origens ou classes sociais diferentes.
Claro está que, entre nós, havia sempre os mais betinhos e os outros. Mas recordo-me que havia uma opinião que todos concordávamos em uníssono e que se traduzia na resposta à seguinte pergunta: se tivesses de escolher viver num palácio com 20 divisões no Casal Ventoso (na altura o “supermercado da droga” de Lisboa) ou um T1 na Quinta da Marinha, em Cascais, qual era a tua opção? E todos nós, sem excepção, certamente cegos pelo deslumbre do palácio, escolhíamos, invariavelmente, o Casal Ventoso em detrimento da Quinta da Marinha. E esta escolha, racional, ocorria também tendo por base o pressuposto que o que hoje é amanhã pode não ser.
Mais de trinta anos passados lembrei-me disto quando me deparei com uma entrevista a Alain Gross, da Solid Sentinel que, entre vários projectos que tem em curso, há um que se destaca: o NOOBA, (Novo Barreiro), um projeto de 130M€ que prevê a construção de mais de 500 casas a preços que tendem a tentar democratizar o acesso à habitação, porque, como explicava este responsável nesta entrevista à revista Visão, era o de dar o “luxo democrático” aplicado ao imobiliário.
Da entrevista destaco o facto de Alain Gross ter apostado onde ninguém, aparentemente, o quis fazer. No Barreiro, certamente porque, como estrangeiro que é, não tem qualquer preconceito em relação à margem sul, onde os estereótipos e a imagem negativa sobre algumas localidades desta margem do rio correm mais depressa do que a verdade.
Gross investiu à séria no NOOBA e tem a experiência de ter tido um investimento passado em zonas de Lisboa que ninguém acreditava, como foi o caso do Desterro, a poucos minutos da baixa de Lisboa, em 2016. Hoje, sete anos passados, Lisboa parece ser aposta ganha, o que deixa antever que nada menos que o sucesso também o espera no Barreiro.
Volto, por isso, ao início do texto. O que hoje está in, ontem esteve out. E o inverso também acontece. Alain Gross pode ter descoberto o ovo de Colombo e, neste processo, desmistificar alguns conceitos preconcebidos em relação a algumas zonas do País.
Com sorte, o preço irreal das casas e o que se pede de investimento por m2 de construção pode começar a descer para níveis mais razoáveis. Mas, mesmo que tal não aconteça da forma célere que se pretende, é bom ver que, três décadas passadas, há quem não se importa de arriscar e construir mais e mais palácios no Casal Ventoso. Até porque, como tão bem sabemos, se o Casal Ventoso já não é o que era (pelos melhores motivos), também a Quinta da Marinha já não é o que era, como concordariam, certamente a contragosto, alguns dos meus amigos mais betos.
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)