Portugal em contraciclo?
Lemos nas notícias, sentimos isso no dia-a-dia e, mesmo assim, parece difícil de acreditar que, em Portugal, o preço das casas não só se tem mantido como até, nalguns casos, tem tido uma tendência para aumentar, agindo o País em contraciclo em relação a outros mercados internacionais igualmente competitivos. Mas será mesmo assim?
Será que Portugal vive atualmente um fenómeno económico peculiar (e talvez único) no mercado imobiliário? Vejamos. Apesar da conjuntura desfavorável, marcada pela crise económica e, no caso português, por taxas de crescimento baixíssimas, a que se acrescenta a inflação e a subida das taxas de juro, o preço médio das habitações não só se manteve estável, como, em algumas regiões, tem vindo a aumentar. Esta realidade desafia as previsões habituais de mercado e suscita questões sobre os fatores que sustentam esta dinâmica.
Acredito que uma das razões, internas, se prende com a queda progressiva das taxas de juro no crédito à habitação que chegaram a estar de tal forma elevadas e a representar um peso de tal forma excessivo no orçamento familiar que, a continuar nesse rumo, Portugal arriscar-se-ia a ter inúmeras famílias a não ter capacidade de cumprir os seus compromissos com a Banca e, naturalmente, ficar sem casa. Mas a descida destas taxas levou a que as famílias voltassem a ter a possibilidade de contrair empréstimos na Banca, ao mesmo tempo que se registaram alguns esforços de poupança e alguns benefícios dados pelo Governo, entre os quais se inclui a isenção do IMT e o benefício de cobrir o empréstimo bancário a 100%. Claro está que tudo isto levou a que o mercado sentisse uma nova dinâmica, que se refletiu no aumento dos preços das casas ainda disponíveis, uma vez que o sector da construção não tem conseguido responder em tempo útil às necessidades sentidas pelo mercado, nomeadamente nas zonas de maior concentração urbana.
Por outro lado, e por muito que se ache que não tem influência, o facto é que a procura por parte de estrangeiros que escolhem Portugal para viver ou investir continua ainda a ter alguma influência. A qualidade de vida, o clima ameno, a segurança e a hospitalidade são frequentemente citados como atrativos. Além disso, regimes fiscais vantajosos, como o Estatuto de Residente Não Habitual (RNH) e os Vistos Gold, acabaram também por incentivar a entrada de capitais externos, impulsionando os preços, sobretudo em zonas urbanas como Lisboa e Porto, mas também no Algarve e outras áreas costeiras.
De igual forma, a falta de poder de compra da maioria dos portugueses cria uma dicotomia no mercado. Enquanto muitos cidadãos enfrentam dificuldades para aceder à habitação, os investidores – apesar de todas as medidas que foram, entretanto, criadas por este Governo - tanto nacionais como estrangeiros, continuam a alimentar a procura, particularmente nos segmentos médio e alto. Este fenómeno é agravado pela escassez de oferta habitacional, que decorre de vários fatores, como a lentidão dos processos de licenciamento, a falta de políticas públicas eficazes para promover a construção de habitação acessível e os elevados custos de construção.
Mas este fenómeno não ocorre apenas nas habitações novas, com o mercado de habitação usada a registar também valorizações, em grande parte devido à localização privilegiada de muitos destes imóveis, levando a que se registe uma maior procura. E, já se sabe, aqui também funciona a lei do mercado. E havendo maior procura para uma menor oferta, isto traduz-se, naturalmente, no aumento dos preços praticados, num fenómeno que não se limita às grandes cidades, como Lisboa ou Porto, mas que alastra para as suas zonas limítrofes.
Em face do que acima foi dito, é, neste momento, difícil prever durante quanto tempo esta situação de exceção continuará a vigorar em Portugal. Acredito que existem fatores externos que podem determinar este contraciclo como, por exemplo, a evolução das taxas de juro, o comportamento dos mercados financeiros ou as políticas governamentais.
O mercado imobiliário em Portugal está a viver um momento único, alimentado por dinâmicas internas e externas que desafiam as lógicas mais convencionais e colocam o nosso País em contraciclo. Esta exceção terá tendência a durar enquanto também este fenómeno acabar por depender da capacidade de resposta do setor e das políticas públicas, de forma a que sejam conciliados os interesses de todos os intervenientes.
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Francisco Mota Ferreira
francisco.mota.ferreira@gmail.com
Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022), “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) e “Conversas sobre o Imobiliário” (2024) | Editora Caleidoscópio
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico