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Opinião

Nuno Garcia, Director-geral da GesConsult

Orçamento 2025: abalos e réplicas no setor da construção

30 de dezembro de 2024

Todos os anos, a discussão do Orçamento do Estado (OE) cria ondas de choque que afetam os diferentes setores com intensidades variáveis. Para aqueles que trabalham em construção e imobiliário, estas ondas podem ser particularmente signicativas e produzir impactos imediatos, mas também têm potencial para moldar muitas das estratégias a médio e longo-prazo. O OE para 2025 não foi exceção. 

Ao longo da última década, através do meu trabalho no setor e das muitas conversas com atores no meio – construção, imobiliário e habitação –, tenho tido oportunidade de contactar com perspetivas abrangentes sobre o tema. Julgo existir um ponto incontornável em todas as discussões: a crise na habitação em Portugal é muito complexa, sem uma solução única ou fácil – não há “bala de prata”. Enfrentar esta crise exige um conjunto de medidas, aplicadas de modo complementar. O OE para o próximo ano inclui algumas medidas positivas, mas também evidencia várias oportunidades perdidas. 

O compromisso do Governo em aumentar a habitação pública é positivo e, se executado de forma eficiente, poderá aliviar a crise habitacional. No entanto, a experiência passada de atrasos em projetos similares recomendam que nos esforcemos mais na coordenação entre as entidades públicas e privadas. As Parcerias Público-Privadas (PPP) propostas para a construção de habitação acessível parecem-me também um passo em frente, na medida em que alavancam terrenos públicos ao mesmo tempo que criam oportunidades para o investimento privado. Ainda assim, equilibrar o lucro para os promotores imobiliários com uma oferta acessível aos residentes mantém-se um desafio.

Uma oportunidade perdida foi a rejeição da proposta da redução do IVA para construção e reabilitação para os 6%. Esta medida tinha o potencial de dar um impulso transformador ao setor, sobretudo nos projetos de reabilitação urbana, contribuiria para a expansão da oferta habitacional. A manutenção do IVA a 23% demonstra um desalinhamento entre o poder político e a realidade do setor.

Por outro lado, o investimento no alojamento para estudantes e a isenção do IMT e do imposto do selo para jovens primeiros compradores são avanços muito positivos, mas cujo impacto é limitado. Estas iniciativas respondem a necessidades especícas, e podem apenas contribuir para uma solução mais abrangente para a crise no setor.

O adiamento da decisão sobre o ajuste das rendas anteriores a 1990 reflete a complexidade do equilíbrio necessário entre os interesses dos senhorios e inquilinos. Uma desregulação abrupta corre o risco de causar o desalojamento dos inquilinos, destacando a necessidade de abordagens subtis e equilibradas que tenham como prioridade a estabilidade.

Para além das medidas, o setor enfrenta uma crise de confiança mais ampla, para a qual tenho vindo a chamar a atenção, agravada pela burocracia e pela imprevisibilidade, que desencorajam investidores e dificultam decisões de consumidores.

Ao refletir sobre o OE deste ano, uma coisa é evidente: apesar de alguns avanços, ainda há muito a fazer. Tal como os efeitos secundários de um evento sísmico, as decisões — ou indecisões — deste orçamento terão com certeza repercussões no setor. São necessários esforços coordenados e políticas transparentes para reconstruir a confiança, criar soluções sustentáveis e responder às necessidades habitacionais de uma população diversa e em crescimento.

Nuno Garcia

Director-Geral da GesConsult

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico