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Opinião

Francisco Mota Ferreira

O que queres ser quando fores grande?

6 de janeiro de 2025

A todos nós, pelo menos uma vez na vida, nos fizeram esta pergunta. E, mesmo entre os que hoje exercem a profissão de consultor imobiliário, estou convencido que esta opção não estava sequer no top 10 das escolhas. Mas, aqui chegados, também tenho igualmente a certeza que, dentro do sector, não estava sequer a ser considerada a “profissão” de mostrador de casas ou abridor de portas que é, infelizmente, o que muitos dos que por aqui andam acabam por fazer.

Todos nós, que andamos pelo imobiliário, sabemos bem que há uma espécie peculiar que povoa o sector em Portugal. E não, não estou a falar dos investidores estrangeiros à procura de vivendas com piscina em Cascais. Estou a falar dos mostradores de casas e portadores de chaves, uma subcategoria quase folclórica dentro deste ramo, que deveria ser dominado pelos consultores e mediadores mobiliários. O que se passou para chegarmos até aqui?

Enquanto os consultores são negociadores, os mostradores de casas limitam-se, como o próprio nome indica, a mostrar casas. São aqueles que aparecem de chaves na mão e um sorriso treinado, dizendo frases como “Aqui temos a sala, que, como pode ver, é ampla e tem muita luz natural”. Porque claro, sem esta óbvia constatação, o cliente jamais perceberia que está diante de uma janela.

Já os consultores são conhecidos por fazerem perguntas. Muitas perguntas. “Quais são as suas necessidades? Que tipo de investimento pretende fazer? Como está a sua situação financeira? Está preparado para negociar até ao limite ou prefere algo mais rápido?” Os consultores compreendem que vender um imóvel é muito mais do que o mero ato de abrir uma porta.

Por sua vez, os mostradores de casas, são quase como condutores de visitas guiadas. Aparecem no local combinado, fazem um tour superficial e terminam com a habitual frase “Se estiver interessado, é só ligar-me”. Consultoria? Planeamento? Análise de mercado? Nem sabem o que estamos aqui a falar. Para eles, o trabalho acaba no momento em que a porta da casa é fechada.

Todos nós já nos deparámos com uns e outros. Mas, em Portugal, há mais consultores imobiliários ou mostradores de casas? Infelizmente, pelo que me vai transmitindo quem anda diariamente no terreno, parece que a balança pende para o lado dos segundos. Porquê? Talvez porque é mais fácil ensinar a segurar um molho de chaves do que a aprender como se pode negociar um contrato. Ou talvez porque este é um sector que é tão mal regulado que qualquer pessoa com um telemóvel e algum tempo livre pode entrar neste mundo, com ou sem formação.

O que podemos fazer para mudar este cenário? Primeiro, regulamentação à séria. Se for mais difícil entrar no sector sem uma formação adequada, talvez consigamos filtrar quem realmente quer fazer disto uma carreira e não apenas um passatempo. Segundo, educação e formação contínuas. Não basta saber abrir uma porta. É preciso saber abrir as outas portas, as que nos permitem chegar às oportunidades, às negociações e à escritura.

E como “expulsar” os mostradores de casas? Com exigência, por exemplo. Se os clientes, especialmente os proprietários, começarem a exigir mais do que uma simples tour pelas divisões, os profissionais que não conseguirem acompanhar este novo patamar de qualidade vão desaparecer. É a velha lei do mercado: há que adaptar ou desaparecer.

No fim, não se trata apenas de salvar o sector imobiliário; trata-se de dar-lhe a dignidade que este merece. Porque Portugal não precisa de mais mostradores de casas. Precisa de consultores, verdadeiros profissionais que tragam valor, conhecimento e, acima de tudo, resultados. Infelizmente, há muitas marcas que continuam a apostar nos mostradores ao invés dos consultores. Mas, como tão bem sabemos, isso é toda uma outra história.

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Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022), “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) e “Conversas sobre o Imobiliário” (2024) | Editora Caleidoscópio.

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico