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Opinião

Francisco Mota Ferreira

Porque é que falta qualidade a muitos consultores imobiliários?

6 de novembro de 2023

Sim, eu sei que o título é provocatório e que até parece que puxei esta pergunta para título para vos obrigar a ler, comentar e insultar-me (não necessariamente por esta ordem). Reparem, também, que não generalizo e apenas constato o que muitos consultores desabafam a um ritmo quase diário: que a profissão e o sector andam pelas ruas da amargura, que é cada um por si, que há muitos esquemas e desonestidade, com meio mundo a querer enganar outro meio, etc.etc.etc.

A profissão de consultor imobiliário padece do mesmo mal que muitas outras profissões: há gente boa, gente muito boa, gente má e gente muito má. Talvez por sermos os primeiros a apontar o dedo e talvez também por estarmos sempre a viver neste circuito fechado, acabamos por achar que, tendencialmente, é tudo mau. Não é, felizmente, mas poderia haver aqui umas melhorias que ajudariam a melhorar a coisa ou, no limite, a criar-se outro tipo de perceção.

O problema aqui é o claro exemplo de que como a árvore contagia a floresta. Numa panóplia de profissionais altamente qualificados e comprometidos – e felizmente muitos de nós conhecemos alguns, se não mesmo a maioria das pessoas com quem lidamos profissionalmente – o facto é que há uns que não correspondem aos padrões esperados.

Não querendo ser exaustivo, mas as razões por detrás da falta de qualidade de muitos consultores imobiliários podem ser elencadas em alguns pontos-chave que, de forma resumida, partilho aqui convosco.

A primeira e mais gritante, para mim, é a total falta de requisitos de formação e regulamentação consistentes em todo o sector. Há formações para todos os gostos e formadores que deixam muito a desejar. E poucas são as marcas que se podem orgulhar de dotar os seus consultores de formações à séria, onde é ensinado o básico desta profissão. Infelizmente, como sabemos, as formações parecem verdadeiras máquinas de extorquir dinheiro, dadas por pessoas muito pouco qualificadas para o fazer e facultadas de forma genérica, não atentando ao perfil de cada um dos formandos que têm pela sua frente.

Já para não falar, claro está, que a vida de um consultor exige um processo de formação e educação quase contínuo. Hoje podemos estar a falar da venda de uma quinta dedicada a atividades agropecuárias, amanhã de uma empresa vinícola e no próximo mês de um apartamento numa zona que sabemos está a crescer. É, por isso, vital estar atento, ter interesse e aprender. Não me canso de repetir: o mercado imobiliário está em constante evolução, com mudanças nas leis, regulamentações e tendências do mercado. Se o consultor não investir na sua educação contínua para se manter atualizados corre o risco de perder clientes porque os seus conhecimentos já não se adequam à realidade atual.

Por outro lado, pululam no mercado associações que defendem tudo e mais um par de botas e que pouco acautelam algo que poderia, desde logo, permitir alguma triagem: uma efetiva supervisão e fiscalização. As licenças AMI são dadas com muita facilidade a quem as peça e não há uma fiscalização às atividades de muitos “consultores” e “agências” (as aspas aqui são propositadas). Os resultados são conhecidos por todos: para além de um interminável queixume nas redes sociais, a supervisão e fiscalização insuficientes e eficazes também contribuem para a perceção de falta de qualidade dos seus profissionais. E como há uma quase ausência de mecanismos de supervisão eficazes, há consultores sem escrúpulos que atuam sem consequências, prejudicando a reputação da profissão.

O que me leva a outro ponto e que se prende com a falta de ética e integridade, o que leva a que o negócio a qualquer custo seja o alfa e o ômega de quem só quer ver cifrões à frente, levando a que agências, brokers e consultores sejam motivados pelo lucro, em detrimento dos melhores interesses dos clientes. No limite, a procura de comissões elevadas pode levar a práticas desonestas, como a falta de divulgação completa de informações sobre propriedades ou conflitos de interesse não revelados.

Todos nós sabemos bem o que seria preciso fazer. Começar com uma regulamentação mais rigorosa, incluindo requisitos mínimos de formação e certificação, para além de um conjunto de padrões éticos claros que todos os consultores deveriam seguir.

Prosseguir com uma supervisão e fiscalização eficazes, com punições sérias para os incumpridores e, no limite, revogação ou suspensão da licença AMI por períodos que poderiam variar consoante a gravidade do crime praticado.

Dar especial atenção aos consultores. A todos sem excepção. Com a implementação de um programa anual de formação contínua obrigatória que, entre outros temas, manteria os consultores atualizados com as mudanças no setor. Em paralelo, incentivar as agências a promover práticas éticas e de integridade, destacando a importância de colocar os interesses dos clientes em primeiro lugar, que teriam sempre acesso a informações claras e transparentes sobre propriedades, processos e taxas.

Bem vistas as coisas, não é preciso muito para tornar este sector algo mais respirável para todos. Por isso, a pergunta impõe-se: se todos sabemos o caminho para as soluções, porque é que estas tardam a aparecer? Este será, certamente, tema a aprofundar num próximo artigo.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)