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Opinião
Joana Neto Mestre, Advogada, Managing Partner da MATLAW

Joana Neto Mestre, Advogada, Managing Partner da MATLAW

Os programas eleitorais em matéria de Habitação, Construção e Fiscalidade do Setor Imobiliário: entre ambições e omissões

9 de maio de 2025

Num contexto em que o tema da habitação é uma prioridade e o setor imobiliário sente a pressão para dar resposta a esta necessidade, fomos analisar as propostas dos principais partidos, PS e AD. Trazem alguma esperança ao setor e à necessária resposta ao problema da habitação, mas muitas dizem mais do mesmo.

A Aliança Democrática (AD) apresenta um programa ambicioso e, à primeira vista, mais alinhado com as necessidades do setor. Propõe a injeção de imóveis e solos públicos devolutos no mercado, a redução do IVA para 6% nas obras e serviços de construção e reabilitação, a redução ou eliminação de taxas urbanísticas (urbanização, construção, utilização e ocupação), a compensação das autarquias locais pelas perdas de receita.

Adicionalmente, a AD propõe estimular o recurso a novos modelos de resposta ao problema da escassez de habitação: o build-to-rent, o co-living, a habitação modular e as cooperativas de habitação — modelos mais flexíveis e adaptados às novas dinâmicas demográficas e urbanas. Prevê ainda a criação de um regime de financiamento para reabilitação de fogos devolutos para arrendamento acessível e a revisão do conceito de “custos controlados” previsto na Lei dos Solos. A nível legislativo, pretende rever o enquadramento do licenciamento urbanístico, reforçando a previsibilidade e a transparência e reduzindo a arbitrariedade na decisão pública.

No campo fiscal, a AD propõe a redução do IRS até ao 8.º escalão, criação de contas-poupança isentas, um “imposto negativo” para famílias de menores rendimentos e redução do IRC — até aos 17%, com taxa especial de 15% para PME nos primeiros 50 mil euros de lucro.

A AD também promete simplificação administrativa, impondo “sunset clauses” em matéria de licenciamentos e o princípio de “only once” para impedir que as entidades administrativas peçam aos particulares informações que estejam na disponibilidade de outras entidades públicas.

Por fim, em matéria de arrendamento, a AD nada refere quanto à revisão do quadro legislativo vigente, mas adianta que pretende reforçar e acelerar a resposta a situações de incumprimento.

O que dizer destas propostas?

A redução do IVA e a redução de taxas urbanísticas é uma medida há muito pedida por promotores, com impacto direto no custo dos imóveis habitacionais que são colocados no mercado. Esta redução pode ainda reavivar projetos de reabilitação urbana, onde ainda há tanto por fazer, com tantos imóveis devolutos por recuperar por esse país fora.

No que diz respeito às medidas fiscais previstas no programa da AD, destacamos que uma referência muito breve é feita ao alargamento da dedutibilidade do IVA. Seria bom que a AD esclarecesse em que moldes prevê esse alargamento, atualmente tão restrito.

Para tudo isto, é preciso coragem e dinheiro. E, considerando que o IVA é a principal fonte de receita fiscal do Estado, e que o setor imobiliário contribui com uma fatia muito considerável para aquela receita, é mesmo ver para crer.

Já em matéria de arrendamento, aparentemente pouco ambicioso, o programa da AD, se for concretizado, permitirá reforçar a confiança dos proprietários para colocarem os imóveis no mercado de arrendamento. Um dos maiores flagelos da nossa economia, ao qual o arrendamento não é exceção, é o sentimento de impunidade que advém do lento funcionamento da justiça e os custos inerentes à tutela judicial. Veja-se que um proprietário que tenha um imóvel arrendado, e o seu inquilino incumpra o pagamento de rendas, é triplamente prejudicado: 1) não pode facilmente aceder ao imóvel, que é seu; 2) tem de gastar dinheiro para agir judicialmente, e mesmo assim pode nem vir a receber as rendas em falta por falta de meios do inquilino. Mais: 3) também não pode arrendar o imóvel a terceiros enquanto este continuar ocupado pelo inquilino incumpridor. Falta ainda acrescentar que este proprietário continua a ter de suportar todas as despesas associadas ao bem, como é o caso do IMI.

O PS apresenta um programa mais centrado no papel do Estado e menos impulsionador do papel dos privados no setor.

Propõe o reforço da habitação pública, nomeadamente para jovens, trabalhadores deslocados e estudantes, e mecanismos de apoio ao arrendamento para famílias com esforço elevado, incluindo a classe média. Neste sentido propõe reabilitar imóveis devolutos do Estado para habitação e financiar a construção de habitação pública. Também propõe a descida da taxa de IVA para 6% em projetos de custos controlados e isenção fiscal em rendas acessíveis. Defende, ainda, a regulação do Alojamento Local e a possibilidade de isenção de mais-valias na venda de segundas habitações em zonas de pressão urbanística, desde que o imóvel se destine a habitação própria permanente.

O programa inclui ainda medidas como a criação de uma entidade fiscalizadora do arrendamento, mediação entre inquilinos e senhorios pelas câmaras e uma quota obrigatória de habitação acessível em novos projetos, a criação de um regime excecional de regularização de contratos de arrendamento informais e revisão da fórmula de cálculo do coeficiente de atualização anual das rendas.

Em matéria legislativa, o PS propõe-se a concretizar o Código da Construção já prometido no Simplex Urbanístico, bem como a revisitar os requisitos de construção que se afigurem desnecessários. De destacar ainda a previsão de um agravamento da tributação de mais-valias sobre a venda de imóveis adquiridos e revendidos sem que tenham sido recuperados ou habitados.

Outras propostas do PS em matéria fiscal parecem mais cirúrgicas ou orientadas para a redução do custo de vida. A descida do IRC (até quanto?) prevê-se seletiva, apenas para empresas que reinvistam os lucros e aumentem salários. Propõe-se também a não sujeição a IVA (IVA zero) a um cabaz de produtos alimentares essenciais, bem como a aplicação da taxa reduzida de 6% à fatura da eletricidade.

Analisadas as propostas do PS, questionamo-nos se o Estado terá capacidade para chamar a si a resposta ao problema da habitação, com pouca ou nenhuma intervenção do setor privado. A concretização do Código da Construção e a eliminação de requisitos redundantes é de salutar, mas claramente que não chega. Além disso, a resposta do Estado é, tradicionalmente, lenta. Por outro lado, para colocar imóveis no mercado de arrendamento os proprietários precisam de um quadro legislativo estável e atrativo, e de respostas céleres. A mediação de conflitos pelos Municípios que, já de si, não conseguem dar resposta a tantas outras necessidades dos cidadãos em tempo útil, não faz sentido.

Em matéria de mais-valias imobiliárias, desafiamos o PS a esclarecer em que moldes prevê o agravamento da tributação em casos de revenda e a densificar o que se pretende com “imóveis não reabilitados ou habitados”. Valerá mesmo a pena criar mais zonas cinzentas nesta matéria, que está cheia de regras e de exceções à exceção?

Por fim, deixamos um desafio para todos os partidos, e que nos parece uma questão de justiça fiscal: recuperar a isenção de mais-valias imobiliárias da venda de segundas habitações, quando o valor de venda seja reinvestido para amortizar empréstimos ou apoiar ascendentes e descendentes na aquisição de casa própria. Uma isenção semelhante foi introduzida pelo programa Mais Habitação, mas terminou em Dezembro de 2024 sem ter sido renovada. É um claro incentivo à solidariedade intergeracional e à mudança de paradigma do nosso direito familiar e sucessório. É em vida que as pessoas e as famílias se ajudam, e o Estado deve incentivar esse apoio.

Como diz o ditado “de promessas está o inferno cheio”. O desafio está na execução, e é isso que queremos saber. O quê? Como? Quando? Quem? Quanto? A falta de coragem política para tocar nos pilares do bloqueio habitacional — fiscalidade excessiva, rigidez normativa e justiça ineficaz — mantém o setor numa espécie de labirinto. O próximo governo terá de fazer mais do que prometer. Terá de desbloquear. Terá de fazer, e de fazer fazer.

Joana Neto Mestre

Advogada, Managing Partner da MATLAW

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico