Os imóveis fantasma
Nestes mais de dois anos que tenho tido a oportunidade de escrever sobre o sector, confesso-vos que tenho de agradecer (e muito) a interacção que vou tendo com quem me lê e segue nas redes sociais e a forma sempre simpática como vão partilhando comigo episódios e momentos das suas vidas imobiliárias. Conversas que contribuem para a minha inspiração semanal e que me permitem ter um fluxo constante de histórias para contar.
Ao fim deste tempo todo, fico sempre a achar que já há pouco que me possa surpreender, negativamente, sobre o sector. Mas, recentemente, dei por mim a perceber que toda a regra tem excepção e nada parece suplantar a criatividade do “consultor” imobiliário. A palavra consultor aqui está entre aspas porque as histórias que vou partilhar nas próximas linhas não são dignas da classe ou da profissão, mas de pessoas que certamente passaram ao lado de uma carreira no circo, nas artes da prestidigitação.
Falo-vos dos imóveis fantasma, um esquema inventado que vem fazendo, infelizmente, alguma escola, e que tenderá a agravar-se com a diminuição dos potenciais clientes compradores. Pelo que me explicaram, há vários tipos (e qualidades) de imóveis fantasma que, consoante o propósito e objectivo do “consultor” se adaptam às necessidades do potencial cliente.
Nos arrendamentos, o isco é extraordinariamente simples. É anunciado um imóvel com umas fotos simpáticas e um descritivo a condizer, com um preço abaixo do valor normal que seria praticado na zona. Claro está que o valor mais baixo desperta a atenção a quem está à procura, dando ao “consultor” a possibilidade de fazer alguma triagem dos pedidos – nomeadamente avaliando a capacidade financeira e disponibilidade de quem está à procura - e encaminhar os que podem ser mais interessantes para outros imóveis que tem em carteira, justificando que o que estava anunciado “voou” mais depressa porque era, de facto, uma oportunidade.
Na compra de imóveis, o esquema segue mais ou menos a mesma bitola do que descrevi no parágrafo anterior, sendo que, como se trata de compra de um activo (e, como tal, com o potencial de existir uma comissão mais choruda), há cuidados adicionais na propaganda do imóvel fantasma. Nota-se outro cuidado nas fotos e na informação que circula e há uma cautela permanente no que diz respeito à potencialidade de serem realizadas visitas a este imóvel que, no esquema engendrado, até pode estar a um preço relativamente justo, mas que tem o destino de todos os que não existem: é rapidamente vendido e sai do mercado (onde, como é óbvio nunca esteve) para dar lugar a opções semelhantes que podem servir o potencial comprador. No limite, os imóveis fantasma podem, inclusivamente, influenciar negativamente os preços da zona, criando artificialmente uma tendência de preço que não corresponde à realidade.
Diz quem se deparou com este tipo de imóveis que há algo infalível que leva a que a fraude seja descoberta (mas, na maior parte das vezes, não denunciada): basta que o interesse seja manifestado, não por um particular, mas por um colega do sector. Se é um profissional do imobiliário, não há muita margem para inventar. Mas se for um cliente particular, há a séria possibilidade que esta fraude possa ser cometida sem que o próprio se aperceba que foi encaminhado para uma compra real decorrente de um activo que nunca existiu.
Esta é, ao que tudo indica, uma realidade cada vez mais frequente que, levada ao extremo, pode levar a uma desmotivação por parte do comprador. E, infelizmente, leva a que sejam pregados mais uns quantos pregos na credibilidade de um sector e de uma profissão.
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio).