Vistos Gold: No purgatório legislativo
Logo em 15 de dezembro do ano passado, aquando da entrega da Proposta de Lei de Orçamento do Estado para 2020, foi tornada pública a intenção do Governo de rever o regime aplicável às autorizações de residência para investimento, também conhecidas como vistos gold.
Talvez por se tratar de matéria sujeita ainda a devida ponderação, este cavaleiro orçamental foi apresentado sob a forma de autorização legislativa, tendo sido apenas conhecido o objetivo da projetada alteração, sem que fosse revelado o seu exato sentido e extensão, como manda, aliás, a Constituição para este tipo de instrumentos. A alteração no regime visaria favorecer a promoção do investimento nas regiões de baixa densidade, bem como o investimento na requalificação urbana, no património cultural, nas atividades de alto valor ambiental ou social, no investimento produtivo e na criação de emprego.
Foi, depois, com grande surpresa e sem que nada o previsse, que, em 27 de janeiro deste ano, no último dia do prazo para apresentação de propostas de alteração, que se soube que iria ser feita uma alteração destinada a restringir a concessão de vistos gold a investimentos imobiliários realizados nas comunidades intermunicipais do interior e nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira, deixando de fora, nomeadamente, Lisboa e Porto.
Esta medida – que veio a ser aprovada em sede de apreciação na especialidade – apanhou todo os agentes do setor imobiliário de surpresa. Mas deixou principalmente apreensivos os investidores internacionais, tanto aqueles com processos em curso, como muitos outros ainda a preparar os seus investimentos, que se questionavam como seria possível acabar com uma medida desta natureza de um dia para o outro.
Durante semanas a fio, muito se especulou sobre quando tal alteração iria entrar em vigor e quais os seus efeitos para os negócios em curso. O Governo acabou por vir esclarecer que a nova medida só vigoraria a partir de 1 de janeiro de 2021, pretendendo, deste modo, minimizar os efeitos da notícia das alterações que, entretanto, já tinha corrido mundo e era amplamente contestada por traduzir um sinal negativo em relação ao futuro do nosso País como destino seguro para o investimento.
O processo orçamental acabou por ser mais longo do que se esperava e a autorização legislativa entrou em vigor apenas no passado dia 1 de abril, já em pleno contexto de pandemia causado pelo vírus Covid-19, aguardando agora pela aprovação do decreto-lei que concretizará definitivamente a alteração prevista.
O cenário macroeconómico da economia portuguesa é agora outro. Já não se perspetiva que o nosso PIB possa progredir e que a taxa de desemprego continue a retroceder. Também a dívida pública já não poderá ser contida como vinha acontecendo. E muito menos se espera que as contas públicas sejam superavitárias. O que se espera é uma recessão profunda, com contornos ainda incertos e que abalará de forma significativa a nossa ainda frágil economia, sempre exposta às flutuações da economia global. Portanto, o que se espera neste momento é que o Governo comece a desenhar medidas que permitam minimizar os efeitos negativos do novo ciclo recessivo. A retoma económica só será realidade se se mantiver a confiança no nosso País e se o investimento estrangeiro continuar a ser visto como um motor do crescimento económico.
É expectável que o Governo só se venha a debruçar sobre a revisão do regime dos vistos Gold depois do Verão. É, pois, perfeitamente justificável que, na proposta de lei do Orçamento do Estado para 2021 a apresentar até 15 de outubro, seja proposta uma nova autorização legislativa, desenhada com outro rigor normativo e que indicie um adiamento da revisão do regime, pelo menos, para 1 de janeiro de 2022, num formato que não exclua de todo o investimento imobiliário nas grandes cidades e que crie condições para uma efetiva promoção do investimento nas zonas interiores do nosso País.
Por outro lado, também é preciso prestar contas. Não se pode rever o regime sem que seja feito um balanço deste regime entre 2012 e 2020, dos seus beneficiários, das atividades de investimento mais procurados, dos benefícios diretos e indiretos que foram gerados para a nossa economia. E ainda ouvir os agentes do setor. Governar também se faz ouvindo quem melhor conhece a realidade. Os agentes do setor devem ser mobilizados para participar num grande debate sobre as melhorias a introduzir no regime, que não pode ser exclusivamente feito através dos jornais, depois de se conhecerem as medidas.
Todos gostámos de ler e de difundir as notícias divulgadas recentemente na imprensa internacional e que percecionam Portugal como um país amigo dos estrangeiros, assente na dignidade e respeito pela pessoa humana e que foi capaz de se preparar com antecedência para os riscos da crise pandémica. Vamos, pois, usar este otimismo a nosso favor e saber gerir com inteligência os nossos fatores de competitividade a nível internacional, para tornar o nosso país mais próspero e coeso.
André Miranda
Sócio da Pinto Ribeiro Advogados
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico