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Opinião

 

Vistos Gold: No purgatório legislativo

20 de abril de 2020

Logo em 15 de dezembro do ano passado, aquando da entrega da Proposta de Lei de Orçamento do Estado para 2020, foi tornada pública a intenção do Governo de rever o regime aplicável às autorizações de residência para investimento, também conhecidas como vistos gold.

Talvez por se tratar de matéria sujeita ainda a devida ponderação, este cavaleiro orçamental foi apresentado sob a forma de autorização legislativa, tendo sido apenas conhecido o objetivo da projetada alteração, sem que fosse revelado o seu exato sentido e extensão, como manda, aliás, a Constituição para este tipo de instrumentos. A alteração no regime visaria favorecer a promoção do investimento nas regiões de baixa densidade, bem como o investimento na requalificação urbana, no património cultural, nas atividades de alto valor ambiental ou social, no investimento produtivo e na criação de emprego.

Foi, depois, com grande surpresa e sem que nada o previsse, que, em 27 de janeiro deste ano, no último dia do prazo para apresentação de propostas de alteração, que se soube que iria ser feita uma alteração destinada a restringir a concessão de vistos gold a investimentos imobiliários realizados nas comunidades intermunicipais do interior e nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira, deixando de fora, nomeadamente, Lisboa e Porto.

Esta medida – que veio a ser aprovada em sede de apreciação na especialidade – apanhou todo os agentes do setor imobiliário de surpresa. Mas deixou principalmente apreensivos os investidores internacionais, tanto aqueles com processos em curso, como muitos outros ainda a preparar os seus investimentos, que se questionavam como seria possível acabar com uma medida desta natureza de um dia para o outro.

Durante semanas a fio, muito se especulou sobre quando tal alteração iria entrar em vigor e quais os seus efeitos para os negócios em curso. O Governo acabou por vir esclarecer que a nova medida só vigoraria a partir de 1 de janeiro de 2021, pretendendo, deste modo, minimizar os efeitos da notícia das alterações que, entretanto, já tinha corrido mundo e era amplamente contestada por traduzir um sinal negativo em relação ao futuro do nosso País como destino seguro para o investimento.

O processo orçamental acabou por ser mais longo do que se esperava e a autorização legislativa entrou em vigor apenas no passado dia 1 de abril, já em pleno contexto de pandemia causado pelo vírus Covid-19, aguardando agora pela aprovação do decreto-lei que concretizará definitivamente a alteração prevista.

O cenário macroeconómico da economia portuguesa é agora outro. Já não se perspetiva que o nosso PIB possa progredir e que a taxa de desemprego continue a retroceder. Também a dívida pública já não poderá ser contida como vinha acontecendo. E muito menos se espera que as contas públicas sejam superavitárias. O que se espera é uma recessão profunda, com contornos ainda incertos e que abalará de forma significativa a nossa ainda frágil economia, sempre exposta às flutuações da economia global. Portanto, o que se espera neste momento é que o Governo comece a desenhar medidas que permitam minimizar os efeitos negativos do novo ciclo recessivo. A retoma económica só será realidade se se mantiver a confiança no nosso País e se o investimento estrangeiro continuar a ser visto como um motor do crescimento económico.

É expectável que o Governo só se venha a debruçar sobre a revisão do regime dos vistos Gold depois do Verão. É, pois, perfeitamente justificável que, na proposta de lei do Orçamento do Estado para 2021 a apresentar até 15 de outubro, seja proposta uma nova autorização legislativa, desenhada com outro rigor normativo e que indicie um adiamento da revisão do regime, pelo menos, para 1 de janeiro de 2022, num formato que não exclua de todo o investimento imobiliário nas grandes cidades e que crie condições para uma efetiva promoção do investimento nas zonas interiores do nosso País.

Por outro lado, também é preciso prestar contas. Não se pode rever o regime sem que seja feito um balanço deste regime entre 2012 e 2020, dos seus beneficiários, das atividades de investimento mais procurados, dos benefícios diretos e indiretos que foram gerados para a nossa economia. E ainda ouvir os agentes do setor. Governar também se faz ouvindo quem melhor conhece a realidade. Os agentes do setor devem ser mobilizados para participar num grande debate sobre as melhorias a introduzir no regime, que não pode ser exclusivamente feito através dos jornais, depois de se conhecerem as medidas.

Todos gostámos de ler e de difundir as notícias divulgadas recentemente na imprensa internacional e que percecionam Portugal como um país amigo dos estrangeiros, assente na dignidade e respeito pela pessoa humana e que foi capaz de se preparar com antecedência para os riscos da crise pandémica. Vamos, pois, usar este otimismo a nosso favor e saber gerir com inteligência os nossos fatores de competitividade a nível internacional, para tornar o nosso país mais próspero e coeso.

André Miranda

Sócio da Pinto Ribeiro Advogados

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico