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Resistir à mudança

7 de fevereiro de 2022

É fantástico como a História se repete e acaba por nos surpreender nas suas diferentes formas. Recentemente, dei por mim a pensar que, na minha família, à medida que vamos envelhecendo, tendemos todos a comportarmo-nos exactamente da mesma forma quando é levantada a possibilidade de mudarmos de casa. E temos argumentos de peso que sustentam a nossa decisão: porque já vivemos ali há décadas, porque criámos raízes, memórias ou recordações. Ou apenas porque nos acomodámos e pensamos que, só em fazer a mudança, é uma enorme dor de cabeça. E, claro, já não temos nem paciência, nem vontade para o fazer. O mais extraordinário é que estas mesmas razões são evocadas por todas as gerações, obviamente com o necessário intervalo temporal.

Recordo-me, por exemplo, dos meus avós, que tinham uma vivenda fantástica no Porto junto à Foz, fiel depositária de décadas de lembranças felizes. Quando começaram a ter uma certa idade, os seus filhos tentaram convencê-los que deveriam vender aquela casa enorme e ir viver para junto de um deles. Ficariam mais acompanhados, seria mais seguro. Nunca aconteceu, porque os meus avós estavam habituadíssimos às suas rotinas, aos seus vícios e não lhes fazia qualquer sentido sair da casa onde sempre viveram. Acabaram por viver (e morrer) sozinhos, numa altura em que Portugal parecia maior do que genuinamente é e quando se demorava quase um dia a chegar ao norte do País.

Salto uma geração e dou neste momento por mim a ter exactamente a mesma conversa. À semelhança dos meus avós, também os meus pais vivem sozinhos, numa casa que é manifestamente superior às actuais necessidades que duas pessoas daquelas idades podem neste momento ter. No caso dos meus pais não será tão dramático – qualquer um dos seus filhos está relativamente perto. E talvez por termos todos bem presente o que aconteceu aos nossos avós, vamos acompanhando-os em função das suas necessidades e das nossas disponibilidades. E, embora o assunto volta e meia seja falado, o facto é que não é algo que nos atormente por aí além. E estamos convencidíssimos que nada irá fazê-los mudar de ideias e ficarão naquela casa até ao fim dos seus tempos.

Volto a saltar uma geração e, ao mesmo tempo que aconselho os meus pais a irem para uma casa mais pequena, dou por mim a pensar que, quando essa conversa me atingir a mim não deverei fazer diferente do que fizeram outros antes de mim. E lutarei para me deixarem sossegado onde estou e onde sempre estive. Neste momento é, naturalmente, prematuro pensar em mudar por todos os motivos e mais algum, mas sei que a casa onde estou não é compaginável para uma pessoa de idade: muitas escadas, numa zona relativamente calma e isolada, com o hospital mais perto a distar cerca de 20 quilómetros.

Quero acreditar que, neste momento, o meu principal motivo para resistir à mudança prende-se com a lembrança da trabalheira que deu mudar-me da anterior casa para esta. E a incerteza em saber se e quando a hora chegar, estarei pronto (talvez) para empacotar e mudar novamente. Pelo sim pelo não, vou começar a praticar a singela arte do destralhar. Não sabem o que é? Explicarei num dos próximos artigos.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio)