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Opinião

 

Resiliência

6 de dezembro de 2021

Ainda recentemente os Portugueses foram brindados com as possíveis interpretações da palavra resiliência e a capacidade que temos de ter para os tempos ainda adversos que se avizinham. Embora esta qualidade tenha sido usada para descrever os profissionais de saúde – que levaram a Ministra Marta Temido a ser criticada por uma alegada má-interpretação, o Primeiro-Ministro a corrigir o “tiro” e o Presidente da República a por água na fervura -  o facto é que dei por mim a pensar que não haverá classe tão resiliente como a dos consultores imobiliários.

Não me levem a mal, nem pensem sequer que estou aqui com sobranceria em relação a um sector que entendo bem. Em abono da verdade, quero aqui partilhar convosco que conheço igualmente bem o sector da Saúde. Cresci numa família onde médicos e outros profissionais de Saúde sempre coabitaram com outros ofícios e, noutras vidas, trabalhei clientes desta área. Percebo, por isso, quando dizem que os profissionais de Saúde têm de ser resilientes e tenho a certeza que dão provas disso mesmo em face da incerteza presente e futura.

De acordo com uma interpretação retirada de um qualquer dicionário, ser resiliente é ter a capacidade em lidar com problemas, adaptar-se a mudanças, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas, ao mesmo tempo que encontra soluções para enfrentar e superar as adversidades. Não retirando o mérito aos profissionais de Saúde, constato que também há muita resiliência nos profissionais do imobiliário. Senão vejamos:

Em muitos casos, quem chega ao imobiliário aparece quando lhe foram fechadas, de forma sucessiva, várias portas e outros caminhos profissionais. Quando aqui chega vem com vontade para dar a volta à sua vida e tentar ter sucesso numa área nova onde sabe que pode ganhar dinheiro. Dinheiro que, na maior parte dos casos, não o tem ou tem pouco.

E são imensos os desafios que testam a resiliência de um consultor. O primeiro passa pelo reconhecimento que não tem ordenado fixo e, não obstante, aceita as regras da marca que passa a representar. Depois, admitir que irá pagar um sem número de fees (formação, advogados, marketing, fotocópias, gasolina, quilómetros, horas perdidas em escala, etc.) para que possa vender o seu primeiro imóvel ao fim de alguns meses. Porque primeiro tem de angariar, depois divulgar, depois investir no marketing e promover as visitas e, com sorte, no final de todo este processo, encontrar um cliente comprador qualificado, com dinheiro, que cobre a oferta do cliente vendedor.

Cientes de tudo isto, já há, felizmente, marcas no mercado que aliviam um pouco a carga pesada que é dada ao consultor que aqui chega. Ainda estamos longe de um ordenado à séria, com direitos e deveres para ambas as partes, mas já se começa a notar que algumas marcas dão, a título de apoio ao consultor, algumas dezenas de euros para o arranque da actividade. Outras há que prestam apoio de forma competente, com formações (gratuitas) e acompanhamento e um plano de comissões em que se sente um verdadeiro espírito de partilha e de responsabilidades. E, claro está, no reverso da medalha, temos as outras, que acham que os consultores são funcionários da empresa ou o elemento mais fraco da pirâmide e querem que este pague para quase tudo. Todos nós, em maior ou menor medida, vamos sabendo quem são uns e outros.

Com tudo o que acima descrevi, não pensem que sou incrédulo em relação ao sector e à importância desta actividade, desempenhada (e escolhida) por milhares de profissionais sérios, que prestam um serviço estimável a milhares de clientes. Tenho o maior respeito e admiração por estes, que não só sabem que ter sorte dá muito trabalho, mas que têm a noção que, para terem sucesso, precisam de uma enorme dose de resiliência. É, naturalmente, a todos estes que dedico estas linhas.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).