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OE 2021 na fiscalidade imobiliária: Alienações Indiretas de Imóveis e o IMT

4 de dezembro de 2020

Como noutros temas (que aqui não cabe comentar), em matéria de fiscalidade imobiliária o texto da proposta do OE 2021 que entrou no Parlamento pouco se assemelha ao que foi aprovado. Neste caso, porém, as alterações foram propostas pelo próprio grupo parlamentar do PS, tentando corrigir os diversos problemas apontados às propostas iniciais.

A incidência de IMT nas transmissões indiretas de imóveis

O OE 2021 vem introduzir alterações muito significativas em sede de IMT no respeitante a transmissão de sociedades detentoras de imóveis.

A primeira novidade é que passa a ser devido IMT independentemente do tipo societário. Como é sabido, até aqui, apenas a aquisição de quotas seria tributada em IMT (o que provocava conflitos constantes com a AT sobre se a conversão de uma sociedade por quotas numa sociedade anónima era ou não abusivo). A partir de Janeiro, a transmissão de partes sociais noutros tipos de sociedades, como sejam as sociedades anónimas, poderá ficar também sujeita a tributação.

Por outro lado, o legislador introduz novos critérios para a tributação (aplicáveis também as transmissões de quotas). Assim, apenas está sujeita a IMT, a aquisição de 75% do capital de (i) land rich companies (aquelas cujo ativo seja composto em mais de 50% por imóveis) (ii) cujos os imóveis não se encontrem diretamente afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial, excluindo a compra e venda de imóveis. A ideia subjacente é pois a de limitar a incidência de IMT às situações em que o objeto dos negócios seja na verdade os imóveis e não as empresas. Ora, se esta limitação é positiva, não podemos deixar de assinalar os aspetos negativos da proposta.

Desde logo, questiona-se a oportunidade da medida. Numa altura em que o país enfrenta uma gravíssima crise económica, introduzir uma vez mais alterações no regime de tributação aplicável parece ser desadequado.

Mais desadequado ainda porque a lei é muito pouco clara.

Desde logo, o âmbito de aplicação espacial da norma suscita dúvidas, havendo o risco de a AT estender a sua aplicação a transmissões de sociedades estrangeiras que indiretamente detenham os imóveis em Portugal.

Por outro lado, não é claro o que sejam imóveis diretamente afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial, excluindo a compra e venda de imóveis. Este conceito não é novo, já consta do regime de participation exemption (e sua ‘desaplicação’ a sociedades imobiliárias), mas nunca foi clarificado, pelo legislador ou a AT. Coloca-se pois a dúvida de saber se, por exemplo, o mero arrendamento deve ser considerado uma atividade económica. E em que termos. Por exemplo, uma sociedade que se dedica ao arrendamento de imóveis de habitação: tem uma atividade comercial? E se os imóveis forem arrendados para exploração por terceiros de centros comerciais ou hotéis? A resposta varia em função da forma de pagamento da ‘renda’ (e.g. há diferença entre ser um valor fixo ou um valor variável em função dos lucros do locatário?). E o mero arrendamento de espaços de escritórios? A resposta será diferente se for objeto de um contrato mais complexo, que inclua a prestação de serviços acessórios? Onde se traça a fronteira entre o que seja a atividade comercial e o que é mera fruição (a admitir que uma sociedade comercial pode fazer alguma coisa que não seja uma atividade económica). É pois urgente delimitar de forma precisa o conceito para reduzir a insegurança jurídica.

Por fim, não podemos deixar de criticar o facto de o legislador não ter aproveitado esta ‘reforma’ para eliminar a remissão para o valor do balanço como base de cálculo do imposto. O objetivo da introdução do VPT foi exatamente tornar a tributação dos imóveis justa e equitativa, baseada no mesmo referencial de valor. Ora, a remissão para o valor do balanço introduz um elemento de aleatoriedade indesejável dado que o valor de balanço varia em função da data de aquisição e respetivas amortizações e politica contabilística adotada. É pois um arcaísmo totalmente desadequado num imposto sobre o património que pugna pela objetividade das suas regras.

O sector imobiliário é um dos setores mais fustigado pelas crises económicas, mas é também um setor que contribui de forma muito relevante e positiva para a recuperação económica e financeira da economia portuguesa. O mercado imobiliário foi, no rescaldo das crises económicas, objeto de investimento nacional e, sobretudo internacional, permitindo por um lado a reestruturação de empresas que atuam no sector e, por outro lado, a revitalização do setor bancário pela viabilização de soluções de financiamento e reestruturação financeira.

Numa fase difícil da economia, e que se antevê vir a ficar mais difícil ainda, fruto da situação de saúde pública que se vive, penalizar o setor imobiliário é passar uma má imagem, quer no que respeita ao investimento imobiliário stricto sensu que poderia permitir uma maior dinamização da economia (e, consequentemente, de carga tributária e maior receita fiscal para o Estado), quer no que respeita à (in)estabilidade legislativa que afasta investidores por não conseguirem manter planos de investimento de médio longo prazo.

Mariana Gouveia de Oliveira, sócia contratada, e Joana Maldonado Reis, advogada principal

Abreu Advogados

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico