Morrer pela boca
O COVID e os meses que estamos a coviver com este vírus têm, pelo menos, mostrado a importância de, às vezes, saber gerir a arte do silêncio. O Senhor meu Pai sempre me disse que se temos dois ouvidos, mas apenas uma boca este é um sinal claro que a genética nos ensina que devemos ouvir mais do que falar. Até porque, como sabemos, quando falamos de mais, é certo e sabido que a tendência para dar asneira potencia-se.
Tendo isso em mente (e tentando, naturalmente, cumprir o que acima escrevi e não cair, eu próprio na tentação de escrever demais), hoje quero aproveitar estas linhas para recordar algumas coisas que se foram dizendo sobre os turistas e o investimento estrangeiro.
Lembram-se quando os turistas estavam a mais em Portugal? Quando era um horror ir à baixa a Lisboa porque eram os Tuk Tuk apinhados, mais os Uber e os mochileiros? Que as grandes cidades estavam a ser invadidas por hordas de turistas que não respeitavam os nossos usos e costumes? Que os estrangeiros, que tinham descoberto Portugal, estavam a inflacionar o mercado e que estava impossível para os locais comprar ou arrendar casa porque estavam a preços proibitivos e a serem usadas para golden visa? Que era preciso limitar os AL porque afinal o turismo não era o El Dorado mas sim a nova peste?
Eu lembro-me. E lembro-me mais. Lembro-me da medida (entretanto colocada na gaveta) de restringir as localidades golden visa, das críticas aos benefícios fiscais dados a quem escolhesse Portugal para residir na reforma, lembro-me do discurso quase de ódio ao estrangeiro, do discurso de desprezo ao turismo nacional e aos AL e das campanhas negras feitas online e offline a vangloriar a forma como cidades como Barcelona estavam a colocar os turistas na ordem, devolvendo a cidade aos seus - o que, em Barcelona é um argumento que daria quase para uma tese de mestrado: quem são os seus? Os catalães que não se sentem espanhóis, os espanhóis que não se sentem catalães, os estrangeiros que escolheram Barcelona para viver há mais de dez anos? Onde se coloca o traço vermelho da (in)tolerância?
Entretanto, veio o Covid e o confinamento. Os investidores que procuravam imóveis para AL foram embora, os que ficaram (nacionais e estrangeiros) andam a tentar despachar o que têm a preços de saldo (recordo que, por exemplo, em Lisboa, o inefável Medina tirou mais uma solução da cartola para apoiar o sector em risco com consequências que só se saberão daqui a três anos), as rendas têm tido quedas acentuadas nalgumas zonas, mas o preço do imobiliário teima em não cair. E, pelo que me vou apercebendo, os investimentos de 6 dígitos nas mãos de privados estão também em saldo porque hoje é assim e amanhã não se sabe.
E vieram também as campanhas do Visit(e) Portugal, numa versão supostamente mais fashion da campanha dos anos 90 “Vá para fora cá dentro”, e os apelos às férias responsáveis. E, claro, as indignações com o Reino Unido e com os outros países porque não abrem corredores com Portugal. E os apelos ad nauseam para que os turistas (os que supostamente poderão vir ou quererão vir) afinal possam deslocar-se a este cantinho à beira-mar plantado e usufruir das maravilhas do nosso país. E, como somos bestiais a complicar, criámos leis e diplomas que tornam a vinda a Portugal de estrangeiros uma missão quase impossível (se acham que estou a brincar vejam as linhas e entrelinhas do Despacho n.º 7212-B/2020 - prorrogação das medidas restritivas do tráfego aéreo com destino e a partir de Portugal, com determinadas excepções).
Este ano segui de tal forma à risca o mote das autoridades que fui para fora cá dentro e não saí (muito) da minha área de conforto. Não estive no Algarve, mas disseram-me que estava às moscas com muitos espaços vazios, poucos portugueses e ainda menos turistas. É triste. Mas ainda é mais triste pensar que não vamos aprender nada com isto. O turismo, agora desejado, vai voltar a ser desdenhado. Ou acarinhado. Ou desprezado. Ou qualquer outro adjectivo que posso descrever a tendência do sector e do país naquele momento específico.
Gostava, sinceramente, que, quando um dia se fizer o balanço dos danos provocados pelo COVID, se consiga finalmente perceber que Portugal tem de ser um país de oportunidades para todos (nacionais e estrangeiros), mas que não podemos depender apenas do Turismo ou do investimento estrangeiro para garantir a nossa sobrevivência. Porque, sempre que assim é, acabamos, lamentavelmente, por morrer pela boca e desdizer tudo o que, de forma bravata (e ridícula), defendíamos quando tínhamos os bolsos cheios.
Francisco Mota Ferreira
Consultor Parcial Finance