Faz de conta
Lembram-se quando éramos miúdos e brincávamos ao faz de conta? Imaginávamos que éramos polícias ou ladrões, heróis ou vilões, bombeiros, médicos ou apenas gajos ricos? Eram tempos bestiais porque, na nossa imaginação, podíamos ser tudo, porque tudo era possível idealizarmos. E, como éramos pequenos, não tínhamos o peso da responsabilidade que a idade e a vida depois nos dão.
Recordei-me destes tempos porque, às vezes, no que ao imobiliário diz respeito, acho que muitos não saíram da infância e ainda adoram brincar ao faz de conta. Nos casos (reais) que vos trago aqui há um misto de “faz de conta que sou consultor imobiliário” com o “faz de conta que tenho o activo X”.
Não preciso de vos contar o estafado exemplo dos comboios que se criam à volta de um hotel, com várias pessoas a partilharem informação de um determinado activo que ninguém sabe se está seguro, angariado, com mandato do proprietário ou com a celebração de um contrato que garanta os direitos e deveres de todos.
Confesso-vos que me faz alguma confusão esta estratégia de posicionamento e gostava, aliás, de perceber (ou que alguém me provasse) que esta dá frutos e gera negócio. Deixem-me clarificar.
No nosso meio, é relativamente fácil perceber se o Hotel X, o Hospital Y ou o Supermercado Z estão para venda. As informações correm com alguma celeridade e, todos os dias, somos confrontados com novas possibilidades de negócio.
O que a mim me faz impressão é a estratégia de faz de conta que é seguida por alguns players e que passa por, na maior parte dos casos, fazer um PowerPoint ou um PDF com fotos trabalhadas e informação pública retirada da internet. E com um preço que, muitas vezes, é soprado ao ouvido e que nem sequer se sabe se é verdade ou não, porque também ninguém se deu ao trabalho de o confirmar. E esta informação é espalhada com uma apresentação home made na esperança de, tendo um potencial comprador que vem de comboio, se possa chegar ao proprietário do hotel, do hospital ou do supermercado, alegando-se que há comprador para o activo.
Aqui chegados, renovo a minha perplexidade. Porque das duas, três: se conseguem chegar ao proprietário, porque não o fizeram antes para ter uma carta de mandato, um contrato ou a confirmação de que o activo está mesmo para venda? (Até porque não é inédito achar-se que algo está para venda e depois afinal não está – porque nunca esteve ou porque o proprietário mudou de ideias); ou, noutro cenário, consegue-se fazer tudo, ter o trabalho todo e não se chega a quem pode decidir a venda porque, entretanto, o dono vendeu o activo a um Fundo num negócio confidencial? Ou nem se alcança quem é o proprietário e, pelo meio, queima-se a credibilidade junto de parceiros e de potenciais clientes, que acham que tudo isto é uma enorme paródia.
Se isto se passa entre consultores que, pelos vistos adoram brincar ao faz de conta, imaginem agora quando se descobre que esta síndrome de Peter Pan ocorre também em algumas agências, com nomes e créditos firmados. Um tema para continuar a desenvolver na próxima semana.
Francisco Mota Ferreira
Consultor imobiliário