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Das escolhas impossíveis

16 de maio de 2022

Quando era miúdo, havia uma brincadeira que se fazia na rua onde morava, que se prendia com escolhas impossíveis que, por vezes, temos que fazer. Em concreto, neste jogo, quem participava, tinha de selecionar algo que, em qualquer uma das opções, era sempre péssimo. Normalmente, o desafio incluía algo que violentava o nosso gosto alimentar, a nossa resistência à dor ou a nossa masculinidade, envolvia dinheiro (fictício) e terminava sempre com boas risadas entre todos porque, apesar de tudo, haviam sempre respostas e atitudes que nos surpreendiam.

Lembrei-me deste jogo de adolescência quando li recentemente um daqueles artigos motivacionais sobre o imobiliário, onde nos era perguntado qual seria a nossa escolha entre ser feliz ou ter razão. O artigo explicava o dilema que se nos coloca, a todos, quando profissionalmente, somos confrontados com algo que não concordamos e, porque pensamos no bem comum (ou porque é algo que não nos diz directamente respeito), acabamos por nos auto-silenciar para que a nossa crítica não acabe por estragar a harmonia de grupo ao dizermos algo que, de cabeça quente, nos podemos arrepender mais tarde.

Escrevi aqui recentemente sobre o mantra que existe nas funções mais comerciais em que, supostamente, temos que dar razão ao cliente porque este, em teoria, tem sempre razão. Tive a oportunidade de, dando a minha opinião que, naturalmente, só a mim me vincula, explicar que não acho que seja forçosamente assim porque não podemos vender a nossa dignidade, o bom senso e o respeito apenas porque temos receio de perder o cliente e, em consequência, o negócio.

E eu até percebo que pode ser difícil fazer-se a gestão destes equilíbrios, porque no imobiliário muitos acabam por estar condicionados pelo facto de não existir um salário e por ter de se viver com as comissões dos negócios que se fazem. O que, por vezes pode levar a que exista a tentação da auto-censura, que mais não é do que a nossa própria limitação em sermos coerentes com aquilo que somos, pensamos e defendemos.

Acredito, no entanto, que podemos evitar o conflito, mas podemos, não obstante, emitir a nossa opinião. O Senhor meu Pai sempre me disse que numa discussão não é o que se diz, mas mais como se diz. E, tendo por base essa premissa, quero, acreditar que, em face da suposta escolha impossível entre ser feliz ou ter razão, haverá certamente alturas em que, com toda a confiança, poderemos dizer: escolho ambas.

Porque nestes casos não são, na realidade, escolhas impossíveis. Ou porque, afinal mesmo sendo algo que, no limite e como no jogo que vos falei, vai contra o nosso ser – ou, traduzido para imobiliariês, algo que nos faça perder o cliente e/ou o negócio - percebemos que, afinal, depois de tudo, ainda conseguimos dar boas gargalhadas e surpreendermo-nos com os resultados.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).