Cumprir os mínimos
O tema não é novo, mas é cada vez mais premente. Falo da necessidade, urgente, de existir uma regulação efectiva e legislação específica que discipline a actividade imobiliária e, por arrasto, os milhares de consultores que, de forma individual ou a coberto de uma agência ou de uma marca, exercem actividade de consultadoria imobiliária em Portugal.
Pelas declarações recentes e as notícias que têm surgido sobre o tema, ao que parece o IMPIC (Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção) estará em breve em condições para apresentar ao Governo um novo enquadramento legal para a mediação imobiliária. Entre as medidas que foram avançadas e que estarão em análise destacam-se a formação mínima obrigatória dos consultores imobiliários. Que poderá ter a duração de um ano, será dada por entidades certificadas e destinar-se-á a dotar os futuros consultores de conhecimentos transversais e programáticos sobre o sector.
A minha primeira reação a esta medida só pode ser, naturalmente, a de me congratular com, finalmente, alguém estar empenhado em regular um sector que vive há muito nesta nublosa que interessa a várias partes. No passado, como muitos de vós certamente se lembrarão, a formação dos consultores imobiliários era algo normal e comummente aceite por todos como um requisito de segurança mútua: para os que ingressavam na profissão puderem falar com autoridade e conhecimento de causa e, obviamente, para os clientes, que sabiam que estavam a contratar um serviço profissional.
A crise, a falta de outras opções profissionais, o boom do turismo, dos AL, do preço das casas e o aumento do foco sobre este sector, entre tantos outros motivos, fez disparar o número de pessoas, agências e marcas que, de repente, achavam que podiam experimentar fazer aquilo que viam o amigo, o vizinho ou o senhor do cartaz a fazer. Parecia fácil, era juntar interesses e vontades, e a coisa quase que se fazia por si. E assim foi.
Os mais atentos perceberam que, de repente, e apenas por algumas centenas de euros, podiam tirar uma licença AMI (os números de maio deste ano apontavam para a existência de 8.866 empresas ativas em Portugal). Outros, que podiam fazer e/ou intermediar umas vendas e ganhar uns cobres pelo meio porque conheciam A, B ou C. E, como dizem os franceses, instalou-se o bordel. Porque há todo um manancial burocrático que é preciso saber, todo um conhecimento que é necessário adquirir para tirar as dúvidas aos clientes, que procuram o consultor para os ajudarem numa matéria que, à partida, não dominam.
A explosão do imobiliário, a falta de triagem dos consultores na maioria das marcas – mais preocupados em quantidade do que qualidade - fizeram o resto e colocam-nos no ponto onde nos encontramos: visto de fora, por norma, o imobiliário não é tido nem considerado. É, por isso, cada vez mais urgente criar regras que sejam cumpridas e conhecidas por todos.
Termino, com algum cepticismo associado a tudo o que escrevi. Porque já sigo o mercado há alguns anos, porque sei que há interesses fortíssimos instalados que não querem mexer no status quo e porque, enquanto não houver nenhuma crise mais séria no imobiliário, este terá sempre a torneira aberta para receber quem queira experimentar o fruto desejado.
No meio de todas estas intenções, só espero que a formação dos consultores – que, no meu entender, deve ser para os recém-chegados e para os que, entretanto, vieram cá parar e por aqui ficaram – seja uma realidade a curto prazo, a bem da credibilidade de todos. E, já agora, se não for pedir muito, que esta seja ministrada por entidades e profissionais competentes e não pelos amigalhaços de sempre e os frequentadores das feiras de vaidades do costume.
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).