O imobiliário bem gerido e bem adquirido é sempre um activo mais líquido e não perde valor
Para Pedro Rutkowski, CEO da WORX, Portugal é um país competitivo, mas não o pode ser apenas pelo preço da mão-de-obra. Tem de o ser também pela excelência de serviço, pela qualidade da formação e das infraestruturas.
Para o responsável, este aumento da inflação representa um grande desafio num futuro próximo, porque todas as transições são dolorosas, mas acabam sempre por trazer coisas positivas, por obrigarem a adaptações. Na sua opinião, é urgente reequilibrarmos o valor da nossa mão-de-obra e dos nossos serviços.
Que balanço faz do mercado imobiliário de 2022?
No mercado imobiliário assistiu-se a uma retoma muito importante pós Covid-19, notória e transversal a todos os segmentos. No entanto, nesta altura, e devido às circunstâncias geopolíticas e atualmente com a guerra, há um grande impacto que tem a ver com a inflação e o aumento das taxas de juro – vamos ter um desafio para o imobiliário não somente no imediato, mas para os próximos anos.
Mas, e em resposta a isso, continuo a achar que o imobiliário bem gerido e bem adquirido, é sempre um ativo mais líquido e que não perde valor, acompanhando bem o aumento da inflação. Aqui é importante um bom aconselhamento, para que sejam feitos bons investimentos.
Em 2022, destacou-se muito o sector da hotelaria e do turismo, atingindo já valores muito próximos de 2019, e até com um crescimento de 14% no que diz respeito aos proveitos totais da hotelaria. Existe aqui ainda um grande potencial de crescimento, ainda que possa haver algum receio face ao número de hotéis a serem construídos, sobretudo nos centros de Lisboa e Porto. Mas não podemos esquecer que o sector do turismo representou 10,1% do PIB em 2021, tendo muito impacto em toda a economia nacional.
No sector residencial, assistimos a uma dinâmica especial e muito acelerada, devido às necessidades mais adequadas aos tempos que vivemos. E não podemos falar apenas dos Golden Visa, dado que até outubro de 2022 foram atribuídas 808 ARI (autorizações de residência para investimento), o que é pouco relevante em todo o panorama do mercado nacional. Os fatores do contexto macroeconómico atual criam uma necessidade para a qual o Governo devia olhar, criando condições para o desenvolvimento de projetos B&R - built to rent (uma vez que o aumento das taxas de juro, faz aumentar a procura por este tipo de produtos).
Quais os desafios que mais afectaram o mercado?
Um dos impactos que se prolongou no pós-covid foi uma falta de mão-de- bra crítica na construção, que teve um grande impacto no sector imobiliário e na economia. A isto se junta o aumento do custo da matéria prima (os materiais de construção aumentaram 18,6% em termos homólogos em Detembro de 2022). Houve uma disrupção em todos os sectores, que ainda vai demorar a normalizar.
Com o aumento do custo de construção houve, naturalmente, um aumento do preço do metro quadrado, o que é agravado por uma falta de oferta de imobiliário residencial. É preciso repensar o imobiliário residencial, dando resposta a necessidades mais modernas e adaptadas à realidade atual: áreas menores, mais funcionais e com valores mais baixos por fogo, suportáveis pelo comprador português.
No setor dos escritórios, assistimos a um grande receio da nova tendência do teletrabalho e do impacto que isso teria no mercado, mas na Worx nunca acreditámos nisso. Houve um impacto, sim, mas a verdade é que esse impacto acabou por não ser muito significativo. Na maioria das áreas de negócio continua a haver necessidade de ter as equipas presentes no escritório, porque as empresas são constituídas por pessoas e o contacto presencial faz toda a diferença. As empresas continuam a procurar espaços de escritórios com grandes áreas, preocupando-se agora mais com espaços colaborativos e de lazer, garantindo o bem-estar e a qualidade do ambiente de trabalho dos colaboradores.
O sector da logística assistiu igualmente a um grande crescimento, pelas necessidades do mercado bem conhecidas. Houve também um crescimento dos negócios que têm por base a stockagem. Com o aumento dos custos das matérias-primas (por exemplo, o aço chegou a um aumento de 20% este verão), muitos fornecedores apostaram em grande stockagem, para fazer lucro com os rápidos aumentos do valor de alguns materiais. Isto levou a uma necessidade de espaços mais amplos, o que impulsionou este sector. Também o facto de a pandemia ter impulsionado o comércio online, tinha já dado uma grande alavancagem a este sector.
O sector da indústria está também a passar por uma fase de readaptação. Os fatores geopolíticos e socioeconómicos do pós-pandemia levaram a repensar-se a dependência da China. É necessário que a Europa reduza a sua dependência dos mercados externos e aumente a sua capacidade industrial e de logística.
O que se pode esperar para 2023?
Quanto aos desafios para 2023, há um grande desafio que nos cabe a todos. A responsabilidade social e a sustentabilidade serão o grande desafio, por serem transversais não apenas ao imobiliário, mas a toda a economia. Obviamente que isto tem um custo elevado para as empresas, mas tem de ter também um retorno: não nos podemos esquecer que há sempre um lado financeiro subjacente e que é muito relevante.
Neste momento, os critérios ESG já influenciam o acesso e as condições de financiamento, pelo que os selos de sustentabilidade são critério para as tomadas de decisão de muitos investidores. Os próprios inquilinos dos edifícios de escritórios já procuram edifícios com certificações de sustentabilidade, não só por serem mais eficientes, mas, em muitos casos, para darem resposta às suas próprias obrigações internas e objetivos ESG. Também a Taxonomia Europeia terá um impacto cada vez maior na atividade das empresas, com uma maior clarificação das atividades e dos critérios ambientais.
Por outro lado, assistimos cada vez mais à elaboração de Green Leases, que representam um compromisso entre proprietários e inquilinos, e que estabelecem as condições de utilização e manutenção dos espaços arrendados, tendo em vista a sustentabilidade e a eficiência energética.
Na Worx sentimos que os clientes são cada vez mais exigentes e sofisticados, e procuramos dar resposta às suas diferentes necessidades, através dos nossos vários departamentos. Seja desde a avaliação dos ativos ou aos projetos de fit out de arquitetura, temos um serviço dedicado e de proximidade aos nossos clientes. Para fazer face aos desafios da sustentabilidade, e antecipando esta tendência, criámos ainda em 2021 um protocolo com a Átomo Capital Partners, uma empresa de referência na área da sustentabilidade e das soluções de energia renovável, que se dedica a projetos de grande escala a nível nacional e internacional. Acreditamos que esta é uma grande mais-valia que podemos oferecer aos nossos clientes, pois a Átomo conta com uma equipa com uma grande expertise e elevado conhecimento técnico, que vai muito para além da mera consultoria.
Acredito que existem também áreas que acabam por estar ligadas ao tema da sustentabilidade e que terão impacto no sector imobiliário. O investimento em infraestruturas como as ferrovias é uma delas. Precisamos de criar condições de vida favoráveis fora dos grandes centros urbanos, nos quais os bons acessos são determinantes. Uma forma de dinamizar o mercado imobiliário, criando condições para que os portugueses consigam comprar as suas residências, ao mesmo tempo que dinamizamos as regiões do interior do país, pode passar precisamente por este desenvolvimento da rede ferroviária. Da mesma forma, a ferrovia, quando assente em energias verdes, alia-se à sustentabilidade e ao cumprimento das ambiciosas metas da neutralidade carbónica para 2050.
Para 2023, antevejo um ano desafiante, mas temos de ser realistas e assumir que os últimos oito anos foram totalmente atípicos, com taxas de juro negativas, e agora temos, forçosamente, de normalizar e voltar às taxas de juro positivas, para que a inflação não suba tanto. Este vai ser um período de transição, e o facto de termos uma percentagem de empréstimos indexados a taxas de juro variáveis tão elevadas, vai provocar maior impacto.
Mas, ao mesmo tempo que os períodos de desafios são mais exigentes, são aqueles nos quais as empresas mais se reinventam. Depois da crise no seguimento da falência do Lehman Brothers, muitas empresas não sobreviveram, mas assistimos ao surgimento de muitas mais empresas muito resilientes. Claro que tudo isto tem uma consequência social e afeta famílias e empresas, mas temos de ter os pés bem assentes na terra e saber que a vida é feita de desafios. Estamos no mercado há 26 anos, já passámos por muitos ciclos, nem todos positivos, mas ultrapassámos todos e estamos aqui de pedra e cal.
Não tenho dúvidas de que Portugal está muito bem preparado no que diz respeito à formação dos seus recursos humanos. Não é por acaso que muitas multinacionais têm vindo a instalar-se no nosso país (o BNP Paribas tem 9.000 colaboradores em Portugal), reconhecendo o nosso talento e o prestígio da nossa formação e das nossas universidades (reconhecidas internacionalmente). Temos de continuar a conseguir atrair e reter talento, criando condições para as pessoas quererem cá ficar.
Este aumento da inflação representa um grande desafio num futuro próximo, porque todas as transições são dolorosas, mas acabam sempre por trazer coisas positivas, por obrigarem a adaptações. É urgente reequilibrarmos o valor da nossa mão-de-obra e dos nossos serviços. Portugal é um país competitivo, mas não o pode ser apenas pelo preço da mão-de-obra. Tem de o ser também pela excelência de serviço, pela qualidade da formação e das infraestruturas, e esta pode ser uma boa oportunidade para esta calibração, e para nos valorizarmos mais.