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Opinião
José Jorge Paraíso, Senior Adviser, Kalam

José Jorge Paraíso, Senior Adviser, Kalam

O Novo Modelo de Contrato de Empreitada

10 de dezembro de 2025

Introdução

O tradicional modelo contratual de empreitada chegou ao fim. A transferência de risco — e consequente destruição de valor — atingiu o seu limite. Os resultados estão à vista: atrasos, derrapagens, conflitos e perda de margem.

A obra não começa na primeira pá de terra — começa no contrato. E quando o contrato nasce adversarial, a obra nasce condenada, onde cada parte tenta defender-se da outra, de forma litigante, sem alinhamento, movidas pela sobrevivência.

O setor imobiliário continua a debater custos, prazos e risco como se fossem fenómenos inevitáveis da construção. Não são. São sintomas de uma causa estrutural que permanece intocada — o modelo contratual de empreitada.

Durante décadas, esse modelo sobreviveu por inércia, sustentado pela crença de que a transferência de risco equivalia a boa gestão. Hoje, com capital caro, maturidades reduzidas, margens comprimidas e ciclos de decisão cada vez mais curtos, esta lógica não só é insuficiente — é destrutiva. Transferir risco não é gerir risco. É apenas adiá-lo para um ponto mais caro.

O tradicional contrato de empreitada não se limita a falhar a execução, o tradicional contracto falha a intenção. Protege posições, não protege valor!

A transferência de risco, outrora vista como prudência, tornou-se uma máquina geradora de conflito. O setor habituou-se a tratar derrapagens como surpresas e atrasos como fatalidades. Mas a verdade é simples: não há derrapagem imprevisível; há modelos que a tornam inevitável.

Durante demasiado tempo, a relação entre dono de obra e empreiteiro foi construída sobre desconfiança mútua:

• O promotor adjudica a um preço que sabe irrealista;

• O empreiteiro apresenta um preço que sabe insuficiente;

• Ambos tentam proteger-se do outro.

Chamamos a isto empreitada, mas na prática, com mais rigor, trata-se de um pré-litígio com data marcada.

A execução — aquilo que realmente cria valor — aparece apenas como palco onde ambos tentam compensar esta assimetria original.

O setor financeiro mudou — e expôs a falência do modelo atual

Entretanto, o mundo mudou. Os financiamentos alternativos, a poderem atingir 10% a 12% ao ano, tornaram o tempo numa unidade financeira e não cronológica. O tempo deixou de ser prazo: tornou-se um custo direto de capital.

Cada mês perdido não é um contratempo — é uma perda real de rentabilidade, uma destruição direta de margem.

E se o contrato não mede tempo como custo, o projeto nunca terá urgência real.

E enquanto mercados como Reino Unido (NEC4), EUA (Construction Management at Risk) ou Austrália (Contracto Colaborativo), reinventaram os seus modelos contratuais para lidar com esta nova economia e formas de financiamento — Desenvolveram modelos de partilha de risco, visibilidade financeira e decisão rápida, Portugal permanece preso a estruturas que premeiam conflito e penalizam execução.

O setor não falha na obra; falha no desenho dos contratos. E enquanto essa falha persistir, nenhuma inovação tecnológica, metodologia de gestão e avanço regulatório será suficiente para reduzir a imprevisibilidade crónica que tanto aflige o desenvolvimento imobiliário.

O CEI — Contrato de Execução Integrada

É neste contexto que surge a proposta do Contrato de Execução Integrada (CEI). Não como um exercício académico, mas como resposta pragmática a um setor que precisa urgentemente de previsibilidade, transparência e alinhamento.

O CEI não é um contrato mais sofisticado — é um contrato mais honesto.

Reconhece que o risco não se elimina mascarando responsabilidades, mas integrando-as; que o conflito não desaparece com cláusulas adicionais, mas com incentivos alinhados; que a execução não melhora com supervisão hostil, mas com colaboração esclarecida.

O CEI estabelece uma mudança fundamental:

separa a fase de maior incerteza — movimentações de terra, demolições, fundações e estruturas — e fixa o seu preço.

Com isto, protege o promotor no momento mais vulnerável e elimina a principal fonte de variações que historicamente distorcem a economia dos projetos.

Simultaneamente, permite o empreiteiro apresentar um valor fixo, sobre um tema do qual tem obrigação dominar e onde a cadeia de subcontratação deveria ser menos complexa. — onde melhor domina o processo, os prazos e seus custos.

A partir daí, a obra passa para um regime de Open Book total: Não há zonas cinzentas; não há margens ocultas; não há armadilhas contratuais. Há visibilidade, partilha de informação e decisão rápida.

Incentivos que alinha execução — e não conflito

Mas previsibilidade financeira não basta. O CEI redefine a remuneração do empreiteiro. A margem deixa de ser uma variável táctica e transforma-se em elemento estrutural: Fixa, transparente e conhecida desde o início.

E é através do prazo — o recurso mais escasso e mais valioso do setor — que se cria alinhamento:

• O cumprimento do prazo é premiado;

• A antecipação do prazo é ainda mais premiado;

• O atraso no prazo, quando por responsabilidade directa, tem penalização proporcional;

O contracto deixa de remunerar litigância e passa a remunerar execução.

Mecanismos financeiros que eliminam fricção e imprevisibilidade

O CEI incorpora ainda mecanismos esquecidos pelo setor, mas fundamentais para a saúde financeira das obras e já comuns em mercados maduros:

Pagamentos a 15 dias, reduzindo o custo de capital do empreiteiro e eliminando margens inflacionadas pela incerteza de tesouraria;

Adiantamentos para fornecimentos críticos, limitados e auditados, garantindo (ex: alumínio, AVAC, elevadores e carpintarias) não atrasarem o caminho critico do projecto;

Valor mensal de estaleiro e custos indirectos fixados e acordados, eliminando um dos mais persistentes focos de conflito contratual;

Negociação por Qualidade, Capacidade e Estrutura — Não por Preço

O CEI redefine também a forma como se negoceia a contratação de uma obra. Num setor habituado a centrar toda a negociação no preço final e em consequência a “destruir valor”, o CEI desloca o foco para aquilo que realmente determina o sucesso:

• capacidade técnica;

• estrutura operacional;

• previsibilidade económica;

• qualidade dos fornecedores que compõem a cadeia de execução;

Em vez de negociar a obra como um bloco único, o CEI eleva a discussão para o nível granular — valores unitários, fornecedores e fornecimentos críticos, lógica de procurement, plano de trabalhos, plano de comprar e fornecimentos, cronogramas financeiros e económicos de obra. É nestes elementos que se revela a consistência económica de um projeto. É aqui que se identifica e otimiza o custo e desempenho.

Nesta abordagem, o preço deixa de ser uma arma negocial e passa a ser um diagnóstico técnico, validado com rigor. No CEI negocia-se apenas aquilo que deve ser negociado, depois de encontrado o parceiro com os melhores atributos técnicos para empreitada:

• A margem a oferecer ao empreiteiro;

• O custo de estaleiro mensal;

• A margem para custos indirectos associados;

e, naturalmente,

• o valor associado à fase de preço fixo correspondente à etapa estrutural da obra.

A negociação torna-se assim mais curta, mais clara e mais técnica — e deixa de abrir espaço à erosão de preço que, historicamente, destrói valor e cria terreno fértil para conflito posterior.

Mas talvez o maior salto qualitativo esteja no conteúdo das propostas.

Num CEI bem executado, uma proposta não é um número: é um documento operativo. É forte pelo seu plano de trabalhos, pela lógica de sequenciação, pelo mapa económico detalhado, pelo mapa de compras e fornecimentos, e pela capacidade demonstrada de controlar o caminho crítico desde o primeiro dia. São estes elementos — e não o preço final — que distinguem a capacidade de executar com rigor, qualidade e prazo.

O CEI não elimina a negociação — eleva-a. Transforma-a numa avaliação de capacidade real, e não de promessas comerciais. E num setor onde o custo do tempo e do risco financeiro é hoje determinante, esta mudança deixa de ser uma opção: torna-se uma necessidade económica.

Gestão de risco justa e moderna

Nas incompatibilidades de projeto — uma das maiores fontes silenciosas de litigância — deixam de ser assumidas unilateralmente.

No CEI, há prejuízo partilhado, porque:

• Nem o dono de obra controla toda a complexidade do projecto;

• Nem o empreiteiro controla as falhas conceptuais do mesmo;

Surge assim a corresponsabilidade como substituto de conflito.

Governação: a peça que faltava

O CEI exige também uma arquitetura de governação que o setor abandonou ao longo das ultimas décadas, algures entre os anos 90 e a Era das externalizações excessivas:

• um COO com autoridade real;

• um PMO interno;

• um comité semanal de decisão;

• métricas objetivas de desempenho;

A obra deixa de ser um campo de disputas e passa a ser uma organização operacional que responde a critérios de eficiência.

Uma mudança cultural

Mais do que um modelo contratual, o CEI é uma mudança cultural. Exige que empreiteiro e dono de obra deixem de se ver como adversários inevitáveis e passem a actuar como parceiros técnicos, alinhados pelo valor que ambos só conseguem gerar se a obra for executada com rigor, velocidade e clareza. O futuro do setor não pertence a quem contrata mais barato, mas a quem executa melhor.

E execução não é improvisação — é método, informação e contrato.

Conclusão

O setor discute prazos, custos e risco, mas evita discutir aquilo que realmente os cria: o modelo contratual.

Enquanto isso persistir, estaremos condenados a repetir resultados previsíveis, embora invariavelmente apresentados como surpresas.

O CEI não resolve todos os problemas da construção — nenhum contrato o conseguiria.

Mas resolve o mais profundo: cria um ambiente onde a execução é possível, previsível e financeiramente inteligente.

E num mercado onde o custo de capital torna o erros muito caro, esse ambiente, mais do que bem-vindo, é indispensável.

O contrato é o primeiro ato de gestão de um projeto — e talvez o mais determinante. O segundo acto, é a figura do COO, descrita no meu anterior artigo.

José J. Paraíso

Senior Adviser, Kalam

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico