Já estamos a verificar, por parte das famílias e investidores, uma quebra de confiança no mercado
Entre Janeiro e Dezembro de 2022, a facturação da rede imobiliária superou os 94,7 milhões de euros, o que representa uma subida de 24% face aos 76 milhões de euros registados no mesmo período do ano anterior. O volume de negócios mediado directamente pela rede Century 21 Portugal e em partilha com outros operadores - onde um agente imobiliário representa o proprietário e outro, de outra empresa, representa o comprador - disparou 36% para os 3 773 milhões de euros, em linha com os principais indicadores de mercado registados no ano passado.
Apesar destes resultados obtidos no ano passado, Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal, revela que está expectante com as medidas anunciadas pelo Governo para a habitação. Mais do que uma preocupação, o que já está a verificar, é que por parte das famílias e investidores, existe uma quebra de confiança no mercado e nas perspectivas para a habitação.
Depois de um ano de crescimento no volume de negócios, mesmo com algum abrandamento no 4º trimestre, as expectativas para 2023 era de um ajustamento do mercado. Admite que o programa Mais Habitação pode vir a influenciar estas perspetivas?
Acho precipitado tirar qualquer conclusão sobre as medidas Mais Habitação, tendo em consideração que o programa ainda esta sob consulta pública e há muitos detalhes das medidas propostas que ainda são desconhecidos.
Como analisa as medidas propostas pelo Governo? Irão beneficiar os portugueses no acesso à habitação?
O envolvimento tão proeminente do Estado, em termos de recursos e de implementação operacional das medidas, suscita algumas reservas sobre a capacidade de assegurar tantas áreas de intervenção.
Considero essencial garantir a execução dos programas já estabelecidos – como o 1º Direito e a Nova Geração de Políticas de Habitação - para aumentar o parque de habitação pública em Portugal, de acordo com as metas já definidas, bem como agilizar programas como o Porta 65, para que seja mais célere o acesso dos jovens à habitação.
É igualmente importante assumir as diferenças territoriais do país, para que não se apliquem medidas heterógenas para todo o território. Neste âmbito, o recente estudo da Century 21 Portugal é bastante conclusivo sobre as diferenças enormes que existem entre Lisboa, Porto e Algarve e o restante território nacional.
As soluções encontradas pelo Governo para o arrendamento podem ajudar a resolver alguns problemas da habitação?
Acredito que nem todas irão ter o resultado desejado pelo governo. Contudo, colocamo-nos desde já à disposição das entidades que vão assumir responsabilidades nesta matéria, para ajudar a identificar proprietários de imóveis, que possam estar interessados em aderir voluntariamente a alguns dos programas que estão em análise.
Qual a maior preocupação da Century 21 com a introdução destas medidas?
Mais do que uma preocupação, o que já estamos a verificar, por parte das famílias e investidores, é uma quebra de confiança no mercado e nas perspectivas para a habitação, que é um dos maiores desafios que o país enfrenta, nos próximos anos.
Para o superar é determinante uma reflexão conjunta e o envolvimento incondicional de todos os stakeholders do sector imobiliário, para que se encontrarem as soluções de médio e longo prazo de que Portugal necessita, em matéria de habitação. A Century 21 Portugal considera que está lançado um bom ponto de partida, e esta é uma oportunidade, e um dever, para sociedade civil se mobilizar, comentar, sugerir e efetuar as alterações necessárias em cada uma das medidas propostas, para que se possa criar uma nova visão e estratégia para a habitação, em Portugal.
O que é urgente aplicar e não está contemplado neste programa?
No curto prazo, um aspecto muito importante passa por assegurar um suporte efectivo e adequado a quem realmente necessita: o governo deveria focar e aumentar o apoio financeiro a jovens e famílias que estejam com uma taxa de esforço igual ou superior a 50% do seu rendimento líquido, quer na prestação do seu crédito habitação, quer na mensalidade do arrendamento. Acredito, também, que é necessário criar um contexto que promova e incentive a construção nova. Por fim, é imperativo agilizar os programas existentes que visam a construção de raiz de um parque público de habitação.
No longo prazo, deveria haver um plano que incentive a formação, digitalização, inovação e investigação em toda a cadeia de valor do imobiliário no sector público e privado. Para além disso, é indispensável uma revisão dos PDM das cidades para um maior alinhamento com a evolução sócio demográfica do nosso país, bem como uma revisão dos critérios actuais do REGEU que nos permitam construir as cidades do futuro, mais sustentáveis e inclusivas. Não há atalhos para solucionar a problemática da habitação.
Como vê o fim dos vistos Gold e o fim das licenças para alojamento local?
Actualmente, Portugal já atingiu um alcance e um posicionamento internacional sem precedentes. Contudo, ainda precisa de consolidar os seus níveis de atractividade enquanto destino para investimento e, neste aspecto, concorre com muitos outros países.
Para além disso, Portugal tem um perfil sociodemográfico que evidencia uma tendência de envelhecimento da população, pelo que necessita de atrair jovens e profissionais para garantir um desenvolvimento sustentado da economia.
Neste sentido, é fundamental manter o foco das políticas nacionais que estimulem a atração de investimento internacional, a fixação de empresas que gerem oportunidades de trabalho mais qualificado e melhor remunerado, bem como a captação e retenção de talento.