Nova lei da propriedade horizontal não vai afectar as transacções imobiliárias
A nova lei da propriedade horizontal entrou em vigor no dia 10 de Abril. Esta lei terá impacto nas transacções imobiliárias e na vida dos condomínios. Assim sendo, todas as vendas de casa passam a ter de incluir uma declaração do proprietário relativa ao condomínio para que se realize a escritura; as assembleias de condomínio têm novas regras de funcionamento e os administradores ganham novos poderes e obrigações.
Ao Diário Imobiliário, Vítor Amaral, presidente da Associação Portuguesa das Empresas de Gestão e Administração de Condomínios - APEGAC, garante que as transacções imobiliárias não serão afectadas. Pede no entanto, que o legislador, rapidamente, aprove a regulação da actividade de gestão de condomínios, impondo habilitação mínima, estabelecimento aberto ao público, formação profissional, seguro de responsabilidade civil profissional, entre outras.
De que forma a nova lei da propriedade horizontal pode vir a afectar a compra e venda de habitação?
Não se prevê que o mercado de compra e venda de fracções em condomínios possa vir a ser afectado, tendo em conta que as únicas medidas que poderão ter consequências directas são: a obrigatoriedade de o vendedor da fracção apresentar a declaração dos encargos do condomínio e das dívidas que possa ter, no acto da escritura ou da celebração do documento particular autenticado e o facto do novo proprietário passar a ser o responsável pelo pagamento de todas as prestações ao condomínio, que se vençam posteriormente à aquisição, mesmo que tenham sido aprovadas anteriormente. Esta última medida poderá afastar alguns potenciais compradores, especialmente nos casos de fracções em condomínios que tenham aprovado a realização de obras de valores mais avultados, cujas prestações se vençam posteriormente ao negócio de compra e venda.
Quais as medidas que serão aplicadas que mais irão afectar o desenvolvimento da gestão de condomínios?
Não há nenhuma medida em especial que se possa considerar que venha a afectar a actividade profissional de gestão e administração de condomínios. Pelo contrário, as medidas poderão potenciar o desenvolvimento desta actividade profissional, porque poderá haver uma maior transição de condomínios administrados por condóminos para os profissionais do sector, resultado das alterações que exigem maior empenho e responsabilidade do administrador, como é o caso da obrigatoriedade da emissão das declarações de dívida e dos encargos da fracção para com o condomínio, as assembleias por meios de comunicação à distância, uma maior obrigação de prestar informações, incluindo sobre processos em curso, assim como a imputação de responsabilidade civil por incumprimento das funções de administrador, sem prejuízo de responsabilidade criminal. Esta responsabilidade civil e criminal que recai sobre o administrador é de saudar, porque poderá reduzir algumas más práticas que conduzem ao descrédito da actividade.
Que estratégias para que estas medidas possam agilizar e não dificultar os processos de aquisição de casa?
É agora necessário preparar e sensibilizar as administrações para que sejam céleres na emissão das declarações sobre os encargos de condomínio da fracção a ser alienada e que passa a constituir um documento instrutório obrigatório da escritura ou do documento particular autenticado, e para que as emitam com rigor, porque não se tratam de simples declarações de dívida ou não dívida, mas de declarações onde deve constar o montante dos encargos em vigor da fracção em causa, com especificação da sua natureza (despesas correntes, fundo comum de reserva, seguro, obras, ou outros), respectivos montantes e prazos de pagamento e, quando haja qualquer dívida, dizer também qual a respectiva natureza, montantes, datas de constituição e vencimento.
Alguns programas de gestão de condomínios irão adaptar-se a esta nova realidade pelo que acreditamos que os profissionais de administração de condomínios irão não só ser céleres na emissão das declarações, como as emitirão com o rigor que a lei exige.
É também necessário que os administradores de condomínio, no cumprimento das funções que a lei lhe atribui, procedam à cobrança dos encargos de condomínio, recorrendo se e quando necessário, à cobrança pela via judicial, para que as dívidas não se acumulem e dificultem o negócio de compra e venda.
A nova lei irá ajudar a profissionalizar a actividade de gestão de condomínios?
Esta é uma actividade profissional já com algumas dezenas de anos, de uma enorme importância socioeconómica, que tem vindo a aumentar exponencialmente, mas que, por não se encontrar regulada, permite a entrada de pessoas e empresas sem o mínimo de habilitação e, infelizmente, algumas delas com más práticas. Estas alterações ao regime da propriedade horizontal potenciarão o crescimento da actividade, como já tinha sido referido, mas é indispensável que o legislador, rapidamente, aprove a sua regulação, impondo habilitação mínima, estabelecimento aberto ao público, formação profissional, seguro de responsabilidade civil profissional, entre outras.
Onde irão surgir as maiores dificuldades na aplicação das medidas?
A lei, como todas as leis, não é perfeita, e irá permitir interpretações distintas sobre algumas matérias. Dando alguns exemplos:
- O artº 1424º do Código Civil (CC) diz-nos que “são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações” as despesas do condomínio, enquanto o artº 1424º-A diz que “a responsabilidade pelas dívidas existentes é aferida em função do momento em que a mesma deveria ter sido liquidada”, o que nos parece serem coisas diferentes.
- Diz o nº 6 do artº 1424º que, caso o estado de conservação de partes afectas ao uso exclusivo de algum condómino (caso dos terraços que sirvam de cobertura, etc) , “afecte o estado de conservação ou uso das demais partes comuns”, as despesas com a reparação são suportadas pelo condomínio, “salvo se tal necessidade (de reparação) decorrer de facto que lhe seja imputável” (ao condómino que tem o uso exclusivo da parte comum); Porém, apenas se refere aos casos que afectem as partes comuns, quando, na maior parte dos casos, afecta o interior das fracções, dando azo a diferentes interpretações e conflitualidade entre condóminos.
- A lei continua a determinar que as assembleias de apresentação de contas sejam realizadas na primeira quinzena de Janeiro, o que é absolutamente desajustado da realidade; foi apenas criado um regime excepcional que permite a sua realização no primeiro trimestre…, mas que é excepcional e, como tal, não pode tornar-se regra.
- Apesar destas alterações permitirem a utilização de correio electrónico, isso só é possível, face à letra da lei, se os condóminos manifestarem essa vontade em assembleia e isso conste da ata, com a identificação do respectivo endereço de correio electrónico, o que nos parece ser uma violação do Regulamento Geral de Proteção de Dados, considerando-se que se trata de um dado pessoal. Por outro lado, o condómino está obrigado a emitir um recibo de recepção do respectivo email, mas não impõe qualquer prazo ou cominação, ficando o administrador sem saber como interpretar e o que fazer caso esse recibo não seja emitido.
Quais as suas expectativas sobre o futuro do mercado com estas medidas?
Como acontece com todas as medidas, há sempre uma reação negativa a qualquer alteração. Recordo o que se passou com a lei que permitiu provisoriamente e por causa da pandemia Covid-19, que fossem realizadas assembleias através de meios de comunicação à distância, tendo muitos dos administradores de condomínio reagido de forma negativa, como se tal medida fosse quase impossível de aplicar quando, hoje, muitas empresas do sector já realizam grande parte das assembleias através desses meios. Isto levou a que o legislador, e bem, passasse esse regime provisório para definitivo, sendo uma das actuais alterações ao regime da propriedade horizontal. Sobre esta medida, estranha-se o facto de, contrariamente ao que disponha o regime provisório, não estarem previstas as assembleias mistas, ou seja, com uma componente presencial e outra por videoconferência ou outro meio de comunicação à distância.