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Opinião

Francisco Mota Ferreira

E quando o luxo for demais?

5 de agosto de 2024

Na semana passada, escrevi aqui sobre o fenómeno, sempre surpreendente, da venda relâmpago em 48 horas de um prédio em Lisboa, que ainda vai ser reabilitado. Sabemos que os produtos de excelência e de luxo têm sempre saída. Porque haverá sempre alguém que os queira comprar ou porque serão sempre vendidos (ou percecionados) como algo de único e exclusivo.

Não querendo aqui perorar sobre o que é o hipotético luxo (e como o mercado está saturado de supostas ofertas luxuosas que nem de nome merecem esse epíteto –algo que, certamente se recordarão, já falei sobre este tema há alguns meses atrás), a minha ideia, nas próximas linhas, é partir da premissa que, se os produtos de luxo - os verdadeiros - inundarem o mercado, que consequências é que isto pode ter para o mercado, para o setor e, no limite, até para as empresas de construção?

Recuemos um pouco atrás para perceber que, porque Portugal está na moda, o nosso País tem assistido, nos últimos anos, a um crescimento significativo no desenvolvimento de empreendimentos de luxo destinados à classe média-alta e classe alta.

A este fenómeno não é alheio a procura investimentos seguros, incentivos fiscais, programas de residência para investidores estrangeiros, e o crescente interesse de estrangeiros e turistas com alto poder financeiro (e negocial) em Portugal.

Num mercado de luxo eventualmente saturado, poder-se-á assistir a uma diminuição dos preços deste segmento - eu sei que amanhã ainda não é a véspera desse dia e esse fenómeno está ainda longe no horizonte, mas prossigamos neste raciocínio meramente académico.

Neste cenário, uma maior oferta pode intensificar a concorrência entre os empreendimentos de luxo, obrigando promotores a diferenciar os seus projetos através de características únicas, serviços adicionais e localização privilegiada. Se isto, em teoria, acaba por beneficiar os compradores, que terão mais opções e, potencialmente, melhores condições de compra, na prática, uma oferta excessiva de imóveis de luxo pode alterar a dinâmica da procura. Dito de outra forma: potenciais compradores, nacionais ou internacionais, podem ser atraídos por preços mais competitivos ou incentivos adicionais, enquanto a classe média pode continuar a enfrentar dificuldades de acesso à habitação.

Por outro lado, e se o mercado de luxo ficar saturado, as empresas de construção podem ter a tentação de ajustar o seu foco, direcionando os seus recursos para, por exemplo, a reabilitação urbana ou para a construção de imóveis destinados a outras faixas da população. Algo que, em abono da verdade até poderia não ser tão mau assim: no limite aumentar-se-ia a oferta para estas camadas, apostar-se-ia na reabilitação em detrimento da construção nova e poder-se-ia criar um nível de exigência para as novas oportunidades de mercado, tornando a construção e a reabilitação uma aposta segura em qualquer Autarquia.

Outra consequência de existirem imóveis de luxo a mais poderia passar também pela transferência de alguns destes para o mercado de arrendamento, o que iria, seguramente, fazer mexer os preços, levando a aumentos exponenciais de outras tipologias, zonas e imóveis menos “luxuosos”. Ou seja, apesar desta aparente “saturação” do mercado, continuar-se-ia a ter que lidar com a escassez de habitação acessível para a classe média, exacerbando a desigualdade no acesso à habitação, uma vez que se correria o risco dos preços para arrendamento subirem.

Estamos ainda longe deste cenário, acho, mas seria talvez também interessante refletir sobre a importância de um planeamento equilibrado e a consequente diversificação dos tipos de empreendimentos para garantir a sustentabilidade do mercado imobiliário e da construção em Portugal, assegurando o direito constitucional de acesso a uma habitação condigna para todos.

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio).

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico