Disciplinar o arrendamento e garantir o calção
Os meus amigos brasileiros vão certamente perdoar-me a minha liberdade de linguagem neste artigo porque, confesso-vos, adoro ler um anúncio de arrendamento escrito por um nacional do país irmão. Seja por lapso, ou por outro motivo qualquer, de repente, no meio do texto e das garantias que devem ser apresentadas a quem quer arrendar a casa, lá aparecem frases como “exigimos calção”, “dois meses de calção” ou outras que tais que, quando colocadas nas redes sociais são azo aos comentários mais jocosos. Sei, por experiência própria, que o dicionário do iPhone adora pregar-nos partidas, mas o melhor conselho que posso dar a quem coloca o que quer que seja online talvez seja o de rever as vezes que forem necessárias para que não tenhamos nenhum lapsos linguae que depois nos arrependamos.
Serve esta pequena introdução, mais lúdica, para vos falar aqui da medida que consta da proposta de Orçamento de Estado, aprovada recentemente, que prevê que o pagamento antecipado de rendas não pode superar os dois meses. Uma estratégia que, segundo foi explicado, visa combater os abusos de garantias que actualmente são pedidas aos inquilinos – o tal calção (caução).
Cunhos ideológicos à parte – a proposta original era do Bloco de Esquerda – acredito que medidas como esta poderão, aos poucos, vir a trazer alguma regulação e equidade ao sector, no que ao mercado de arrendamento diz respeito.
Todos nós temos histórias absurdas/fantásticas/tolas (riscar o que não interessa) sobre abusos dos proprietários da sua posição dominante. E, de igual forma, são também inúmeras as histórias absurdas/fantásticas/tolas (riscar o que não interessa) que estes contam dos inquilinos. Não há soluções perfeitas, nem opções ideais e estes negócios só se podem fazer por mútuo acordo em que, sejamos concretos, a parte do proprietário acaba por estar numa situação mais vantajosa porque está a arrendar um activo que é seu e, logo, pode tentar impor as suas condições e a sua vontade (e quantas vezes também com algum esquecimentorelativamente à lei em vigor, os direitos e deveres de cada uma das partes).
O problema nisto, como em aliás, tudo o resto, é que, sem legislação que possa proteger ambas as partes (e um efectivo controlo para garantir que todos se portam bem), acaba por ser uma selva de interesses e vontades em que, muitas vezes, não há grandes motivos para celebrar.
Numa altura em que, como sabemos, as prestações bancárias para quem optou por adquirir casa própria estão a subir, o mercado de arrendamento tem aqui uma oportunidade para não apenas se tornar competitivo, mas, acima de tudo, dar a possibilidade a que exista uma verdadeira política de arrendamento em Portugal.
Uma política de arrendamento, que volte a dar liberdade de opção e escolha a milhares de famílias, livrando-as das amarras de uma prestação bancária que limita as opções de vida de tantos e tantos Portugueses, permitindo que o mercado acabe por funcionar de acordo com a lei de oferta e da procura e não de imposições leoninas impostas por proprietários cautelosos ou sem escrúpulos. Ou por uma Banca, sempre ávida em procurar a maximização dos seus lucros. Limitar a caução a dois meses pode ser ainda pouco. Mas, numa lógica de copo meio cheio, eu diria que pode ser um justo começo.
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)