A dependência estrangeira de Portugal
Em 1959, o realizador Jack Arnold dirigiu o filme “O rato que ruge – The Mouse that Roared”, que conta a história do Grão-Ducado de Fenwick, um fictício país europeu, entalado entre a França e Suíça que, a braços com a bancarrota, decide declarar guerra aos EUA. O argumento, que leva as autoridades políticas a serem convencidas pelos líderes militares do país, era simples: Fenwick perderia a guerra contra Washington, mas poderia depois beneficiar das ajudas económicas do Tio Sam na reconstrução pós-guerra (a crítica ao plano Marshall do pós-guerra é aqui mais do que evidente).
Munidos apenas de arcos e flechas, cerca de duas dezenas de bravos fenwickianos invadem os EUA, entrando por uma deserta Nova Iorque, cuja população está em abrigos subterrâneos por causa de um teste com uma nova bomba. Como este filme é uma comédia, contra todos os cenários, Fenwick ganha a guerra apenas porque consegue raptar o cientista que desenvolveu a bomba, bem como alguns militares norte-americanos e um exemplar da temível arma. Sem a arma e sem o cientista para a desenvolver, os Estados Unidos negoceiam a paz com Fenwick, que se vê assim salvo da bancarrota.
Em Portugal, ainda não chegámos ao ponto de precisar de declarar guerra a uma qualquer superpotência para vermos os nossos problemas mais prementes resolvidos. Porém, um olhar mais atento sobre as notícias, permite-nos perceber que a nossa dependência em relação ao estrangeiro é excessiva e brutal.
Não vou aqui entrar no detalhe de como setores estratégicos da economia nacional estão cada vez mais nas mãos de terceiros ou como os centros de decisão estão progressivamente a mudar de geografia, de Lisboa para Bruxelas.
Dir-me-ão que não posso ser ingénuo e que tudo isto decorre dos fenómenos da globalização e da decisão de Portugal aderir a organizações que, a troco de cedência de soberanias várias, acabam por colocar o país numa dependência cada vez maior.
Centrando-me no que ao imobiliário diz respeito, é com enorme preocupação que vejo as notícias de que os preços das casas não param de aumentar, num fenómeno que, a continuar, será a contraciclo em relação a muitos países europeus e cuja explicação é só uma: a procura estrangeira em Portugal tem vindo sistematicamente a subir, fruto de uma política que beneficia o cidadão estrangeiro e prejudica o nacional. E já nem estou a falar dos vistos gold, que durante anos foram um El Dorado e uma porta de entrada de inúmeras nacionalidades para a obtenção de um passaporte europeu a troco de trocos. Acham que estou a exagerar? Acompanhem-me neste raciocínio:
Lisboa, para além de estar na moda, com hordas de turistas e incontáveis cruzeiros que regularmente desaguam na capital, é uma cidade barata para o cidadão estrangeiro que queira visitar ou mesmo cá viver. É barata para a compra de uma casa (comparem os preços no centro de Madrid, Paris ou Londres para verem como o que é uma fortuna para nós em Lisboa se traduz numa pechincha para os outros). É barata porque há benefícios fiscais para quem escolha Portugal para viver. E é barata para os nómadas digitais (a nova coqueluche dos papalvos deslumbrados) ou para os reformados de luxo.
E porque é barata para o estrangeiro, a procura é muita. E os preços sobem, ficando incomportáveis para os portugueses que vivem, trabalham e tentam chegar ao fim do mês sem ficarem atolados em dívidas. Dir-me-ão que são as leis do mercado, da oferta e da procura, que fazem com que os preços subam e que se tornem apenas acessíveis a bolsos mais fundos, normalmente por quem não fala português e que acha tudo isto very nice e very typical. Todos nós acabamos por ter culpas no cartório, porque encolhemos os ombros, subimos os preços e esfregamos as mãos à espera que a aventura especulativa não tenha um fim.
Tenho, por isso, algum receio de que, quando tudo isto abrandar, quando os nómadas digitais encontrarem outros poisos, quando os norte-americanos, franceses, brasileiros, chineses e outros, descobrirem outros locais, quando os Governos acabarem com o regime de excepção para o residente estrangeiro, ou quando afinal se perceba que já não haverá nada mais para sugar aos palonços (nacionais e estrangeiros), Portugal fique mais desinteressante que um filme de Manoel de Oliveira. Quando esse dia chegar, Portugal bem pode achar que, como no filme, vai declarar guerra aos EUA (ou à União Europeia, à Rússia ou à China) e, no final do dia, vencer.
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)