Defender o cliente
Costumo dizer com alguma frequência que o Imobiliário é, no bom sentido, um enorme albergue espanhol. Quem lida e trabalha com este sector rapidamente percebe que há todo um manancial de variáveis, métodos, fórmulas (mais ou menos) eficazes que nos podem levar na senda do sucesso. O imobiliário é de tal forma abrangente que acredito que todos os que acabam por vir aqui parar conseguem encontrar o seu lugar, ser felizes e ter sucesso.
Mas o imobiliário é também algo que nos obriga a uma constante mutação. Da nossa forma de ser e de pensar, ao nos forçar a sair das nossas zonas de conforto e de procurar novas tendências que permitem, naturalmente a quem a procura e ambiciona, estar à frente do seu tempo.
Há factores, escolhas e opções que, de tão óbvias que são de um passado que já não devia existir, nos fazem corar de vergonha quando somos confrontados com elas. Falo-vos, por exemplo, da questão do distribuir folhetos nas caixas do correio na esperança de, desse esforço, tirar um lead, das horas intermináveis em escala à espera que entre o Sheik árabe que vai à procura do apartamento de 5 milhões ou daquelas formações patetas tipo seita em que nos querem convencer que o sucesso está ao virar da esquina, bastando para isso gritar em plenos pulmões quão bons e fantásticos que somos.
Se já consegui da vossa parte um sorriso de aquiescência, quer dizer que está na altura de vos falar o que me trouxe aqui: o que acredito ser, verdadeiramente, uma mudança de paradigma no imobiliário, que faz o seu caminho de forma mais ou menos discreta há alguns anos e que, nos últimos meses, tem progressivamente conquistado mais e mais adeptos, consultores e marcas. Falo-vos da clara opção em trabalhar apenas a vertente do cliente comprador, ignorando um dos princípios supostamente sacrossantos da actividade imobiliária: o poder da angariação (e, como tal, a opção de trabalhar do lado do cliente vendedor).
Quem optou por trabalhar apenas a vertente do cliente comprador diz-me que ganhou qualidade e anos de vida. Alguns exemplos: porque deixou de estar vinculado à necessidade de estar sempre à procura de ter mais e mais activos – porque quantos mais tiver em carteira mais existe a possibilidade de ter um matchcom quem traga um cliente comprador; porque deixou de ter a preocupação de pensar se o colega da agência X vai, invariavelmente, roubar a angariação ao fim de alguns meses, quando o imóvel não estiver vendido e o contrato de exclusividade estiver a terminar; ou porque deixou de estar sujeito aos diktats dos clientes vendedores, as suas manias e teimas.
Contam-me que quem trabalha com clientes compradores sentem mais segurança e confiança no trabalho que desenvolvem e nas relações que, entretanto, se criam. E, porque assinam um contrato entre o cliente comprador e o consultor ou agência, com direitos e deveres bem claros, as partes sabem bem as linhas por onde se movem.
Acresce ainda um dado que, para quem lida com o imobiliário não é todo despiciente: como o pagamento dos serviços prestados é por norma pago pelo cliente comprador (e porque, em teoria – e reforço aqui o “em teoria” - o consultor ou a agência não podem receber dos dois lados), a partilha de negócio corre de forma muito mais fluída porque quem tem o cliente vendedor sabe que a outra parte tem já o seu pagamento assegurado.
Confesso-vos que não tenho números exactos que sustentem tudo isto que vos fui referindo ao longo destas linhas. Mas, o facto de ver grandes marcas como a RE/MAX a olharem para esta espécie de nicho de mercado e perceberem o potencial que este encerra é, para mim, um dado adquirido que algo está em mudança no que ao imobiliário diz respeito. Estejam, por favor, à vontade, para me contrariar.
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)