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NOTÍCIA
Opinião

Bruno de Carvalho Matos, Engenheiro Civil

Como utilizar a Construção para potenciar o crescimento e vencer tempos de crise?

10 de fevereiro de 2025

A relevância da Construção para a economia pode medir-se pelo seu potencial impacto noutros setores de atividade a montante (e.g. indústria extrativa e transformadora; serviços de arquitetura, engenharia e gestão) e a jusante (e.g. setores da energia, comunicações, saúde, hotelaria, retalho, etc.) da execução das obras.

Destarte, o valor gerado pelo setor e a sua contribuição para a riqueza de um país, principalmente se este se encontrar num estado de desenvolvimento menos avançado, é muito significativo. No caso de Portugal, a construção assume-se mesmo com um dos principais motores da economia, ultrapassando setores como o do turismo (incluindo comércio, alojamento e restauração) e dos serviços financeiros. De entre os motivos destacam-se as limitações de escala, conhecimento e capital para se ser competitivo noutras áreas; os incentivos financeiros publicos sobretudo orientados para o investimento na construção; e os ciclos políticos cujo sucesso é, em grande parte, medido pelo volume de obras feitas.

Não obstante, devido à sua dependência da conjuntura económica e do nível de investimento noutros setores económicos, a atividade na construção é tendencialmente pró-cíclica, sendo assim historicamente caracterizada por vários ciclos de crescimento e depressão. De facto, as obras são bens de investimento utilizados para facilitar a produção de outros bens (e serviços), ou seja, a construção não gera por si só procura para os seus produtos, mas depende da evolução de outras atividades económicas (e.g. a produção de edifícios residenciais depende do mercado habitacional; a construção de hóteis depende do mercado turístico).

Por exemplo, ao período de crescimento que marcou a década de 1990, seguiu-se uma fase de contração da economia com três ciclos de recessão (subsequentes às crises de 2002, 2008 e 2010) que, juntamente com o fraco investimento em obras públicas, teve um impacto drástico no setor da construção em Portugal, sobretudo entre 2002 e 2016 - só neste intervalo, o setor registou perdas acumuladas na ordem de 50% em termos de produção e contribuição para o emprego e para o PIB.

Existe, assim, uma relação de reciprocidade entre a construção e a economia: não só a construção impacta na evolução económica como também é impactada pela mesma, seja de forma positiva ou negativa.

O segredo reside na capacidade dos governos em utilizar a construção enquanto instrumento para estabilizar oscilações económicas.

Em períodos de recessão, quando a procura é reduzida e a taxa de desemprego é elevada, o governo pode optar por investir em obras públicas, nomeadamente infraestruturas, aproveitando a natureza intensiva da indústria em mão de obra. Este investimento visa gerar mais empregos, cujos rendimentos podem ser gastos em bens e serviços produzidos localmente por outros setores, impulsionando, assim, a procura e o emprego no resto da economia do país – estima-se que por cada emprego criado pela construção sejam gerados três postos de trabalho no conjunto da economia.

Em periodos de crescimento, por outro lado, o governo pode optar por aliviar o investimento em construção, adiando decisões ou ajustando as verbas públicas alocadas e as taxas de juro associados ao financiamento de projetos de construção.

A aplicação desta estratégia enfrenta, contudo, vários desafios, destacando-se o desfasamento temporal entre a ação governamental e o (longo) período necessário para o planeamento e execução das obras (desde meses a anos), ou seja, a decisão de avançar ou não avançar pode ser demasiado lenta e o seu efeito demasiado tardio, quando, eventualmente, já o efeito contrário fosse o pretendido. Em acréscimo, se o investimento em obra pública servir sobretudo para responder a necessidades imediatas, ou seja, sem atender a interesses de longo prazo, sob programas mal delineados e pessoal não qualificado, pode ter um efeito perverso ao nível do desenvolvimento sustentável da indústria e da própria economia.

Posto isto, o adequado planeamento e calendarização do investimento estruturante no domínio das grandes obras públicas (e.g. rede ferroviária e aeroportuária), pelo seu efeito multiplicador da produção e do emprego, é preponderante para o crescimento e resiliência da economia portuguesa. Só assim as entidades públicas responsáveis, e os agentes económicos em particular, conseguirão preparar-se devidamente, conhecendo o volume, o tipo de obras e a forma como vão ser lançadas e realizadas, para então se aproveitar o poder catalisador da construção.

É sabido que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) contém medidas já contempladas em planos de fomento de governos anteriores, e mais recentemente no QREN e no PT2020, e que nunca se conseguiram executar integralmente. O principal motivo é normalmente a falta de capacidade da administração pública para dar resposta à dimensão burocrática exigida no âmbito da aplicação dos fundos, comprometendo assim o seu potencial para alavancar a economia do país através da construção (e não só).

Por fim, sendo um dever primordial do governo fomentar a economia do país, o setor da construção tem de necessariamente fazer parte da sua agenda estratégica, em vários domínios, e ser utilizado como instrumento para tornar as infraestruturas mais robustas e resilientes e adaptar os edifícios a novas exigências de eficiência energética, segurança e qualidade do ar, incluindo a transição para uma realidade mais digital, a sustentabilidade, a mobilidade urbana, a conetividade em infraestruturas públicas e o combate às alterações climáticas.

Bruno de Carvalho Matos

Engenheiro Civil

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico