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Opinião

Rafael Ascenso, Director Geral da Porta da Frente Christie’s

Portugal é cidade, o resto é paisagem

11 de fevereiro de 2025

A ideia que Portugal começa e acaba em Lisboa tem vindo a dissipar-se ao longo das últimas décadas. E ainda bem. A verdade é que a narrativa dominante, construída no século passado, é de que a capital é o epicentro de tudo o que importa. No entanto, esta visão é injusta para um país onde a riqueza, o potencial e a atratividade se estendem muito para lá da Baixa-Chiado ou da Avenida da Liberdade. O nosso Portugal é mais vasto e merece que olhemos para ele com a mesma ambição que muitos depositam na capital.

Focando-nos no mercado imobiliário, os bairros mais nobres de Lisboa, com o seu charme histórico, continuam a atrair investidores, tanto portugueses como estrangeiros. De acordo com dados apurados pela Confidencial Imobiliário, os estrangeiros representaram 37% do montante total investido e 29% dos imóveis comprados na Área de Reabilitação Urbana (ARU) de Lisboa. Mas, olhando mais atentamente, verificamos que os preços por m2 das melhores regiões de Cascais e Algarve, que estavam alinhados com os dos melhores bairros de Lisboa em 2018, dispararam e são hoje mais elevados. Ou seja, nos últimos seis anos assistimos os preços por m2 mais caros do País não se encontram no Centro de Lisboa.

Mais a sul, a Comporta apresenta-se como um fenómeno curioso: a fuga da metrópole para o campo, mas com a sofisticação intacta. O litoral alentejano, outrora ignorado tanto pelo mercado nacional como pelo estrangeiro, é hoje um refúgio de luxo, com a região da Comporta a registar investimentos que ultrapassam os 4 mil milhões de euros, considerando apenas os projetos de maior dimensão que estão atualmente em curso. No Algarve, em regiões como a Quinta do Lago, tem-se registado um aumento de investimento e da procura. Recentemente, a região ganhou destaque pela procura crescente de compradores estrangeiros, incluindo norte-americanos, que têm impulsionado os preços de propriedades exclusivas para valores superiores a 20 milhões de euros. Já a norte, regiões como Braga, com o seu ecossistema tecnológico, e o Douro, com a sua ligação ao enoturismo e à herança cultural, demonstram como a inovação e a tradição podem coexistir para atrair tanto visitantes como investidores.

Ainda assim, mesmo na região da Grande Lisboa, existem mercados com uma valorização relativa superior ao Centro de Lisboa. Se olharmos para Miraflores, Loures e Belas, verificamos que o aumento percentual do preço por m2 nos seis últimos anos, é bem superior ao do Chiado ou de Santos.

Esta “descentralização”, quando impulsionada por forças de mercado e pela liberdade de escolha individual, tende a gerar resultados muito mais eficazes e duradouros do que quaisquer planos ditados por burocratas. Não é Lisboa que dita estas tendências: são os investidores e empreendedores que escolhem onde querem estar e criar valor. São os compradores que decidem onde querem viver e investir, e quais os locais que mais valorizam.

Deveríamos aproveitar este movimento para investir fortemente no transporte público de qualidade e na mobilidade, para permitir que a população não tenha de viver no centro das cidades para a eles aceder. O grande desafio do Estado Governo e Autarquias é criar condições para que se reabilitem os centros das cidades, mas essencialmente para que se construa habitação nova que faça face à crescente procura que temos registado em Portugal, criando ao mesmo tempo infraestruturas que permitam a mobilidade. Só assim conseguiremos ter preços mais acessíveis.

A recente publicação da nova Lei dos Solos é um passo nesse sentido. No entanto, muitas mais são necessárias para resolver o problema da habitação em Portugal. O IVA Zero na construção de habitação, ou pelo menos a sua redução para 6%, e a redução do IMT para primeira habitação, são medidas que reduziriam o seu custo de forma imediata.

Rafael Ascenso

Founder e Partner da Porta da Frente Christie’s

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico