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Víctor Meira, Head of Legal na iad Portugal
Lei dos solos: Mais Construção ou Mais especulação?
A chamada “Lei dos Solos” está na ordem do dia e desencadeou um debate intenso sobre o seu verdadeiro contributo para resolver a crise da Habitação. Este regime resulta do Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT) e permite a reclassificação de terrenos rústicos em urbanos mediante determinadas condições. O diploma estabelece nomeadamente que pelo menos 700/1000 da área total de construção acima do solo seja destinada a habitação pública ou a habitação de “valor moderado”. Este novo conceito procura refletir a preocupação do legislador em responder às dificuldades generalizadas de acesso a habitação estabelecendo critérios como: o preço por metro quadrado que não pode exceder a mediana do preço de venda no território nacional ou, em alternativa, ser superior a 125% do valor da mediana do preço de venda no concelho. De acordo com este DecretoLei; que entra agora em vigor, a reclassificação de um terreno rústico em urbano deve ser aprovada pela Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara Municipal.
Uma das primeiras críticas dirigidas a este regime prende-se com o facto de constituir uma ameaça à salvaguarda da biodiversidade e da agricultura, numa preocupação de equilíbrio entre desenvolvimento e preservação. Neste ponto particular, importa salientar que esta alteração ao RJIGT é clara ao elencar as áreas que esta reclassificação do solo urbano não pode abranger, destacando-se as “áreas classificadas” nos termos do regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional (REN). O diploma refere ainda que se mantém a proibição de construção em unidades de terra com aptidão elevada para o uso agrícola, nos termos da Reserva Agrícola Nacional.
A especulação imobiliária é outro risco relevante frequentemente apontado. Os contestatários recordam que 30% dos imóveis não terão qualquer limite de valor e que os restantes 70% poderão ser vendidos acima dos atuais preços de mercado no referido limite de 125% do valor da mediana de preço de venda no concelho. Em Lisboa a aplicação deste limite máximo implicaria reduzir os preços em cerca de 11%, mas é certo que na maioria dos concelhos tal não resultaria numa redução do preço. Tal raciocínio afasta-se, todavia, de um dos princípios fundamentais da economia: a lei da oferta e da procura que nos explica que a escassez de produto é que determina o aumento do preço. Neste enquadramento os imóveis não têm que ser vendidos pelo limite máximo de 125% do valor da mediana de preço de venda no concelho; sendo que o raciocínio subjacente a este regime é obviamente que a maior disponibilidade de terrenos contribuirá para mais soluções habitacionais. O facto de 30% da área total de construção acima do solo não estar sujeito a qualquer limite constitui uma salvaguarda dos interesses privados e não constitui propiamente uma novidade para o mercado: quantos empreendimentos têm frações comercializadas por um preço bastante superior às restantes?
Outra censura à suposta alteração à Lei dos Solos está relacionada com o facto de promover a promiscuidade entre o poder local e o setor imobiliário. Na verdade, o que foi alterado foi o RJIGT (e não a atual Lei dos Solos) que por sua vez estabelece claramente que os Planos Municipais de Ordenamento do Territórios (PMOT) são da responsabilidade dos municípios, tendo em conta os Programas de nível nacional. Em teoria qualquer regra que visa retirar obstáculos é positiva na medida em que contribui para a transparência. A complexidade de alguns procedimentos é que contribui para condutas opacas e reprováveis com o objetivo de contornar os entraves existentes.
Mais do que um problema legislativo, a crise da habitação em Portugal é essencialmente um problema económico. Não é expectável que qualquer legislação contribua decisivamente para uma redução do preço dos imóveis. Historicamente a redução de preços só se verificou em períodos que não queremos que se repitam: os de profunda crise económica. O objetivo desta ou de qualquer outra legislação, no contexto atual, deverá ser sempre de contrariar o aumento exponencial dos preços da habitação. É unanime que a escassez de solo urbano contribui para o aumento do preço das casas, especialmente para populações mais vulneráveis. Neste contexto, qualquer análise a este novo regime de reclassificação de prédios rústicos deverá considerar sempre a realidade atual em que a alteração de solo rústico para urbano é excecional e resulta sempre de um processo muito demorado. É caso para dizer: pior do que o que está não fica…. Resta saber quanto melhor vai ficar.
Víctor Meira
Head of Legal na iad Portugal
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico