Como o imobiliário pode revelar o melhor e o pior de nós próprios
Recentemente, alguém que prezo bastante e que está ligada ao imobiliário partilhou comigo o seguinte desabafo: “como é que este sector, sendo uma actividade relativamente corriqueira, consegue ser tão reveladora da essência das pessoas, das suas formas de agir relativamente aos outros, nos processos de decisão e de gestão de stress? É tanto o que se vê das pessoas, como nunca me tinha acontecido antes noutra profissão”. Ora, estando eu sempre à procura de inspiração e temas para novos artigos, o que me foi dito, para além de me ter despertado a campainha que me avisa sobre o potencial de um novo tema, fez-me pensar sobre isso mesmo.
E a primeira conclusão que quero partilhar convosco é a de que o imobiliário até pode ser uma atividade corriqueira, mas como sabemos todos os que andamos por aqui, este sector é muito mais do que a mera compra ou venda de ativos. Quanto mais não seja por isto: porque ao longo deste processo lidamos com uma série de interações humanas, tomadas de decisões e a capacidade de gerir o stress. Ou seja, queiramos ou não, o Imobiliário reflete de forma muito eficaz o espelho da natureza humana nos seus mais diferentes aspetos.
Começando pelo clássico mantra deste ser uma atividade de pessoas para pessoas, podemos, sem grande margem de dúvidas afirmar que no imobiliário as pessoas encontram-se, muitas vezes, com intenções antagónicas, mas que, para ambas terem sucesso, precisam de encontrar uma plataforma de entendimento e cooperação comum para alcançarem os seus objetivos. Seja o caso do consultor que procura um imóvel, o outro que representa o vendedor e, naturalmente, os respetivos clientes de ambas as partes e todos os restantes stakeholdersque podem, ou não intervir ao longo do processo (Banca, Advogados, Agências, etc.), as interações humanas desempenham um papel fundamental. E, sejamos concretos, a maneira como as pessoas se relacionam umas com as outras durante todas as etapas do negócio pode revelar muito sobre sua ética, empatia e habilidades de comunicação.
Como diz outro amigo meu, o imobiliário não é fácil, mas é simples. E, embora estejamos a falar de uma atividade que pode envolver uma série de decisões complexas, a maior complexidade é, muitas vezes trazida por nós e pelas nossas circunstâncias. Apenas um exemplo: entre outros fatores de maior ou menor prioridade, os compradores precisam de considerar o valor do imóvel, a localização, as necessidades da família e as possibilidades de financiamento. Por sua vez, os vendedores devem decidir quando vender, a que preço e se fazem obras antes da venda. Os agentes imobiliários, em teoria, enfrentam decisões constantes sobre como representar melhor seus clientes. E cada um de nós pode agir de forma mais impulsiva, enquanto outros adotam uma abordagem mais ponderada.
Nesse sentido, as decisões e como estas são priorizadas por cada uma das partes revelam muito sobre cada um dos seus intervenientes e a forma como estes encaram as relações humanas. Podemos, sem grandes margens para dúvidas dizer que o mercado imobiliário é um campo onde as escolhas individuais são frequentemente colocadas sob escrutínio público, o que pode fornecer inputspreciosos sobre a psicologia das pessoas.
E temos ainda, claro está, a gestão do stress neste ramo de atividade. Todos nós que por aqui passamos sabemos bem que a compra ou venda de um ativo é um processo muitas vezes desgastante, com muitos avanços e recuos. E, nem sempre bem-sucedido.
Os compradores podem sentir a pressão de tomar uma decisão importante, enquanto os vendedores podem experimentar a ansiedade de obter o valor desejado pelo seu imóvel. Os consultores imobiliários precisam equilibrar as necessidades das várias partes, gerir prazos e expectativas. Acresce ainda que o mercado imobiliário é um ambiente altamente competitivo, onde a concorrência pode ser violenta e nem sempre leal ou ética. Levado ao extremo isso pode levar a situações de stress e confronto, e a forma como as pessoas lidam com as situações revela muito sobre sua capacidade de negociação e resolução de conflitos.
Termino com algo que costumo dizer muitas vezes. Apesar de serem muitos os stakeholders envolvidos, todos temos a noção que o mundo imobiliário é mínimo e, mais cedo ou mais tarde, todos nos cruzamos com todos. E porque o mercado imobiliário serve como uma amostra da vida em sociedade e fornece oportunidades de reflexão sobre como as pessoas agem em um contexto de negócios e interações pessoais será, talvez por isso, importante mostrarmos sempre o melhor de nós próprios. Pessoal e profissionalmente.
(A caminharmos, em ritmo acelerado, para as celebrações festivas tradicionais da época, resta-me desejar a quem me segue por aqui um Santo e Feliz Natal).
Francisco Mota Ferreira
francisco.mota.ferreira@gmail.com
Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio)
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico