A prosperidade exige mudança no imobiliário - Quanto ao vetor gestão
Sempre existiu uma relação íntima entre as diversas civilizações e a plataforma física em que se estabeleciam e de que dependiam para existir. Tem sido exemplos as cidades e infraestruturas como estradas, portos, caminhos de ferro ou redes de saneamento. A qualidade da civilização devia muito à distinção dos padrões de vida e organização em relação aos apresentados pelos outros povos.
Ao longo da História, a criação, produção e administração destas plataformas deveu-se ao que hoje em dia chamamos ao setor imobiliário. Trata-se de uma enorme responsabilidade ao desenvolvimento humano numa função essencial que seria transformar a Natureza em ambientes ajustados às condições fisiológicas, psicológicas e sociais dos humanos, além de satisfazer as suas diversas necessidades e requisitos sempre em evolução.
Tal função observa-se ainda com mais acuidade na sociedade atual e nos seus modelos produtivos. Porém, as exigências do mundo atual implicam intervir com objetivos e processos distintos do passado. A civilização evolui e com ela têm de evoluir os processos imobiliários. Pode reforçar-se a ideia de manter as mesmas fórmulas tradicionais correntes, apesar dos enormes sucessos passados, não passa de um conforto ilusório quase sempre muito ineficiente. Ao longo da História quantas fórmulas com sucesso acabaram extintas e substituídas por outras? É parte dos ciclos que caraterizam a Natureza, a economia e até as sociedades humanas. Tudo muda.
A mesma forma evolutiva deve estender-se às atividades de promoção e gestão do imobiliário, pois as tradicionais parecem não resultar com os contextos atuais. Assim, o imobiliário também precisa evoluir para adaptar às novas necessidades humanas e económicas a todos os contextos atuais que envolvem a sociedade e Natureza. A mudança deve incidir segundo três vetores distintos e autónomos, mas interdependentes: as instituições; a gestão; a inovação.
Neste artigo foco apenas a Gestão.
Na sociedade mais tradicional é natural que se enfoque mais a produção e o consumo de bens tangíveis, no trabalho físico (mais muscular do que intelectual) numa cultura empresarial mais habituada a cortar custos por poder negocial e a escolher o que é mais barato, pois é mais simples de preceder. Regra geral, este tipo de sociedades mais tradicionais tende a ser pobre, pois não fomenta a educação e formação do seu povo, e os seus quadros técnicos mais jovens tendem a emigrar por não se sentirem atraídos. A sociedade tende a estagnar.
A sociedade próspera do futuro próximo tende a ser a mais desmaterializada, apoiada em processos digitalizados e com elevado conhecimento integrado pela sua população. Na criação de riqueza deste tipo de sociedade dominam os processos de software e humanware sobre os tradicionais de processos de hardware. Um trunfo refere-se a processos de gestão apoiados no digital.
Esta diferente visão distingue também os modelos de promoção imobiliária, pois enquanto o processo tradicional enfoca sobretudo a construção do edificado, nos processos mais modernos o foco passa para a gestão de projeto (GP) através de modelos virtuais que passam a dominar sobre os processos físicos.
Aliados a processos de construção que, obviamente, são mais industrializados e digitalizados (menos musculo e mais cérebro), a atividade de promoção imobiliária desenvolve-se segundo duas vertentes uteis:
· O planeamento estratégico-tático que decorre desde o conceito até à entrega do bem ao cliente final, e se baseia em metodologias em cascata, como o processo de promoção imobiliária ou o plano de negócio;
· A gestão operacional do projeto imobiliário decorrente da interação e interseção de múltiplas atividades em simultâneo por múltiplos agentes com interesses próprios, mas nem sempre convergentes, cuja gestão de projeto requer antes metodologias ágeis para maior eficiência e eficácia.
Face à tecnologia disponível e à necessária complexidade dos processos imobiliários, para ser viável o empreendimento compadece cada vez menos com processos de gestão tradicionais, estes mais presenciais e reativos do que digitais e pró-ativos.
Quanto à digitalização dos processos imobiliários, a metodologia BIM (Building Information Modelling) implica um enorme salto operativo quando permite que o objeto imobiliário se desenvolva à priori numa vertente virtual em 3D, à qual se poderá juntar outras dimensões como os planos de tempo e de custos.
Todavia, esta abordagem configura-se insuficiente quando é necessário combinar a colaboração de múltiplos agentes no processo (inclusive o cliente ou utilizador final), todos em simultâneo, dos quais se quer integração, cooperação, sincronização, flexibilidade, equidade de participação em rede em vez das usuais hierarquias funcionais e estratificadas. Os processos têm de funcionar sem se atropelarem entre si ou entupirem com informação desnecessária, sobretudo quando esta se entrecruza e influência mutuamente como se pode verificar no modelo DSM (Design Structure Matrix) do processo imobiliário.
Portanto, além do BIM, é preciso complementar com outras metodologias de GP, mas mais baseadas em princípios de agilidade. Neste âmbito, emergem em centros académicos e empresariais de ponta o desenvolvimento metodologias ágeis de GP, em adaptação de processos de Tecnologia de Informação para o imobiliário. São exemplos o IPD (Integrated Project Delivery) ou o SCRUM.
Para otimizar resultados de um empreendimento imobiliário, graças à tecnologia disponível, cada vez mais será possível trabalhar em plataformas virtuais, colaborativas, menos restritivas quanto ao número de participantes simultâneos, à grande escala dos projetos, à quantidade e complexidade da informação que deve fluir ao longo da cadeia de valor.
Todavia, esta abordagem que se configura muito mais competitiva, baseada na revolução em transformação digital em curso, não será possível enquanto não existir uma prévia e efetiva transformação cultural e operativa da sociedade em que pretende operar.
Atenção, um modelo mental, empresarial e institucional moldados em valores e regras conservadoras, quase sempre focados em processos tangíveis com baixa colaboração e transparência (o espírito de mercearia individual em vez do supermercado coletivo) não permitirá acolher tais mudanças. Assim, o caminho dessa sociedade em geral será a estagnação contínua, logo de pobreza relativa.
É o que queremos como sociedade? É o que pretendemos para Portugal?
João Correia Gomes
(PhD, REV, MsC construção, Engenheiro civil)
Professor na ESAI - Escola Superior de Actividades Imobiliárias
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico