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Opinião

Francisco Mota Ferreira

A revolta do Bounty

22 de agosto de 2022

Estávamos em 1789 e o HMAV Bounty, navio de Sua Majestade Rei Jorge III, que governou o Império onde o sol nunca se punha, fazia o percurso entre o Oceano Pacífico e a Europa. A viajem desenrolava-se após uma aparente bem-sucedida missão botânica, a de adquirir e transportar um número considerável de pés fruta-pão no Taiti, na actual Polinésia Francesa, e de transportá-los para as possessões britânicas na América. O longo tempo de permanência dos marinheiros na ilha e a indisciplina a bordo – resolvida à força dos ferros e do chicote pelo capitão Bligh – levaram ao mais célebre motim da história, celebrizado na literatura e na sétima arte.

O parágrafo anterior não é, de todo, ficcional. Como também não será, ao que tudo indica, o clima de revolta que se vive nos últimos meses na marca líder de mercado. E, como tão bem sabemos, o problema das revoltas nunca é com os que desistem e saem, mas com os que optam por ficar e minar a estrutura do seu interior.

Segundo me contaram vários intervenientes conhecedores do sector no geral e desta marca em particular, um dos sinais mais visíveis é o da saída de vários Top Producers, descontentes com o seu rumo e estratégia, numa sangria que tem levado a marca e muitas das suas agências a abrir as torneiras da contratação de consultores, cada vez mais preocupadas em mostrar níveis de faturação e contratação e menos na questão da viabilidade económica futura do seu negócio.

E, tal como no Bounty, sente-se algo no ar. Que começou nos tempos do confinamento e que se prolongou até ao presente, com a incapacidade da marca em reter os seus melhores talentos e a fazer ouvidos de mercador ao que, em reuniões internas, muitos dos seus generais têm alertado sobre o rumo, a estratégia e o futuro.

Numa analogia militar, apesar das nuvens negras que muitos desejariam por sob a marca líder, eu diria que, neste momento, os dirigentes ainda têm consigo a maioria dos generais. E, através destes, vão tendo mão nos vários batalhões que, na sua extensa maioria, acabam por obedecer às ordens que emanam do topo.

Porém, e como sabemos, a História mostra-nos que, tal como acontece na generalidade das revoltas, a base está a fraquejar e duvidar do rumo que a marca pretende incutir para o futuro. Junte-se a isso a profusão de rumores que surgem de uma forma recorrente, o comportamento da concorrência que, de forma nem sempre leal, tenta minar a posição da marca líder, e temos aqui caldo entornado para a destabilização do sector.

Uma última nota, histórica e curiosa, em face do que escrevi em cima e que gostaria de partilhar convosco. A revolta do Bounty, como vos disse no início, ocorreu durante o reinado de Jorge III, Soberano do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, Rei de Hanôver e Duque de Brunsvique. Que, apesar de todos os seus títulos e poder, ficou para a História como o Rei louco que perdeu a América.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio)