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A mediação imobiliária por detrás do pano: as imobiliárias e os consultores

17 de abril de 2023

Numa altura em que a Habitação e o Imobiliário preenchem muitas das notícias da actualidade, seria talvez importante desmistificar alguns conceitos. Nas próximas linhas (e nos próximos artigos) pretendo, na medida do possível, responder a algumas questões que assaltam não apenas os profissionais do sector, mas igualmente os vários stakeholders que lidam com o Imobiliário. O primeiro desafio é o de tentar explicar o papel das imobiliárias e dos consultores.

Peter Drucker, um visionário que mudou o discurso das empresas em 1973 com o seu livro The Practice of Management, dizia que uma empresa tem um único propósito: criar um cliente. Em 1973, Drucker estava à frente do seu tempo. Meio século passado, constatamos que as agências imobiliárias são iguais ao que eram as empresas em 1973: criaram, não um cliente, mas um consumidor, o consultor imobiliário, oferecendo-lhe incentivos que não evoluíram de acordo com as circunstâncias actuais. Incentivos que, no meu entender, contribuem para a presente crise na Habitação e para o baixo valor na prestação de serviço na vida de milhares de profissionais do sector.

Se observarmos uma típica agência de mediação imobiliária, os seus incentivos assentam em variáveis como: competição, pouca transparência, conflitos de interesses, foco nos lucros da agência e das marcas internacionais, quantidade em vez de qualidade, rotatividade de consultores, rankings, stress, incerteza, baixo investimento no cliente versus elevado investimento na marca, frustração de expectativas, especulação, instabilidade, insatisfação.

De modo a sustentar este sistema, as marcas investem fortemente em publicidade e recrutamento. O gestor de números não se interessa por saber se funciona para as pessoas, mas sim se para a máquina funciona. Esta receita é alimentada através de esquemas de incentivos que, na sua maioria, apenas servem as marcas, explorando clientes e consultores.

No geral, os consultores trabalham em agências com elevadas comissões, atraídos, sobretudo, pelo dinheiro que podem ganhar. Estas comissões são elevadas para compensar a incerteza, a ineficiência e o stress a que os consultores estão sujeitos e para proporcionar às marcas elevados lucros e permitir o reinvestimento em ações de motivação, reforço de posição da marca no mercado e constante recrutamento. Afinal, o negócio das redes de agências internacionais é vender sonhos, vender formação para formatar os consultores a estarem alinhados com os objetivos da marca e vender os seus produtos de marketing. Os seus consumidores são, por isso, os consultores e não os clientes compradores ou vendedores.

Cada consultor é incentivado a alcançar resultados, que dependem de objetivos de angariação e prospeção com métodos que, inconscientemente, colocam medo nos clientes. Medo de perder dinheiro por não saber determinar o preço do seu imóvel, medo de perder o momento, medo de perder oportunidades, medo de ser enganado pela outra parte. Depois de captar a atenção de um cliente, o consultor tem de mostrar ao cliente que a sua marca é muito conhecida e que o vai fazer ganhar muito dinheiro. Esta é uma manobra de manipulação para reforçar o poder da marca e retirar autoridade ao cliente. Muitas vezes cria-se um jogo de poder entre o consultor e o cliente, uma negociação entre os dois, onde a necessidade e o medo imperam, muitas vezes em detrimento de uma relação de confiança, compromisso e serviço.

É este jogo de poder que o consultor é treinado a fazer, pela sua marca, para conseguir angariar um imóvel num mercado altamente competitivo. O consultor tem de competir com milhares de outros iguais a si, incluindo os colegas de agência, o que é altamente gerador de ansiedade e contraproducente. No limite, chega a ser vendida como uma competição saudável.

Mas esta competição, nestes moldes, nunca pode ser saudável ou benéfica na prestação de um serviço que se requer personalizado e de elevada confiança, importância e integridade. Neste jogo, o consultor cede ao desejo irrealista do cliente e faz, ou propõe ele mesmo, a angariação muito acima do preço real de venda, dizendo, por exemplo, ao cliente que tem clientes internacionais e que consegue um preço mais elevado. Sabendo que, mais tarde, poderá ter que vender muito abaixo desse preço, sem se preocupar com o impacto que tem nas expectativas no mercado. Uma estratégia que, como sabemos, faz parte dos vários incentivos, reais e artificiais, que são o dia-a-dia das agências e do consultor imobiliário. Um tema que conto desenvolver no próximo artigo.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)