A mediação imobiliária por detrás do pano: as comissões
No meu último artigo discorri sobre os consultores e as agências e de que forma cada uma das partes age na prossecução dos seus próprios interesses. Por uma autolimitação de caracteres acabei por não falar sobre as comissões. Algo que irei fazer nas próximas linhas.
Um dos estafados argumentos que leva o consultor a conseguir uma angariação prende-se com a frase feita de “eu tenho cliente para o seu imóvel”. Se nesta frase se juntarem as palavras “clientes internacionais” está feita a tempestade perfeita que, correndo bem, é óptima para todas as partes. Correndo mal, leva a que o consultor acabe por ter que vender abaixo do preço da expectativa criada e o consequente impacto que a baixa de preço tem no mercado, no cliente e no consultor.
É neste primeiro incentivo - a possibilidade de vender acima do preço de mercado - que nasce a especulação imobiliária e todo o mercado tem prejuízo, excepto as agências, que muitas vezes acabam por vender abaixo do preço óptimo, quando o cliente já não tem tempo.
Por outro lado, o facto de o consultor receber uma percentagem do preço final não é incentivo suficiente para defender o preço, quanto mais não seja porque a perda potencial de não fechar o negócio e receber a sua comissão é muito superior a umas centenas de euros a mais ou a menos. Dito de outra forma, quando baixa o preço do imóvel em alguns milhares de euros para o cliente, o consultor sabe que irá perder apenas algumas centenas enquanto que o seu cliente, cujo interesse jurou defender, irá ter perdas substancialmente maiores.
Este incentivo causa insatisfação e stress no cliente, que chega a um ponto e só deseja terminar o processo para iniciar um novo ciclo de vida. Há a percepção de que a imobiliária foi um mal necessário e que o stress é proveniente da ameaça da outra parte e não da agência, pelo que, sozinho ou com uma agência mais pequena, até podia ter sido pior. Será também por isso que, em muitos casos, o cliente, que não conhece o mercado, as marcas ou os consultores, acabe por escolher marcas que lhe transmitem poder, ainda que essa imagem possa não ser a real.
O segundo incentivo do modelo tradicional é a partilha das comissões entre agências.
As imobiliárias, nomeadamente as que se julgam na posição mais preponderante do negócio, arreigam-se no direito de cobrar ao cliente proprietário pelo trabalho que é feito por duas agências distintas, definindo se e quanto é que a outra agência irá receber. Esta arrogância levada ao extremo não funciona e frustra os negócios, no sentido em que impõe uma negociação e uma transação entre agências que, em muitos casos, não está de acordo, eliminando potenciais visitas ao imóvel e a concretização do negócio a contento de todas as partes.
Quando consultores e agências se enredam nas burocracias das partilhas, perde-se o foco da venda do imóvel para a prioridade serem as trocas de emails e protocolos de parceria, que não são mais do que uma transação paralela. Algo que, por exemplo, não acontece quando as comissões são cobradas apenas aos clientes que as marcas e os consultores representam e não ficam à espera de acordos paralelos e comissões residuais para verem o seu esforço recompensado. No limite, em vez de se perder tempo a debater acerca da percentagem que cada um considera mais justa, cada agência cobraria a comissão devida ao seu cliente, eliminando assim qualquer conflito de interesses e apresentando os imóveis que melhor servissem os seus clientes, sem se preocuparem com partilhas de comissões.
Acresce ainda que, com vista a obter o máximo lucro, o consultor tem ainda o incentivo para ficar com a comissão por inteiro, o pleno, como se designa na gíria das agências. Se pode receber o dobro pelo mesmo negócio fechado, ficando mais perto dos objetivos de faturação que o incentivam, porque há de receber metade? Nesta sanha de ganhar mais, o interesse dos clientes está imediatamente comprometido, sem qualquer benefício para o cliente proprietário do imóvel, que paga na mesma os 5% ou 6% independentemente de como esta comissão será distribuída.
Voltei a ir mais longe do que pretendia, pelo que peço a vossa paciência para ler a terceira parte destas reflexões na próxima semana.
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)