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Opinião

Francisco Mota Ferreira

A mediação imobiliária por detrás do pano: as angariações

1 de maio de 2023

Nas últimas semanas tenho refletido sobre alguns factores mais relevantes que regem a atividade imobiliária. Numa série de artigos que, de forma pouco modesta, tenho classificado como “a mediação imobiliária por detrás do pano”, esta semana é tempo de dedicar as próximas linhas às angariações.

As angariações são vendidas ao consultor como o alfa e o ômega do sucesso da actividade imobiliária e são muitos os consultores que, enveredando por esse objectivo, acabam por ter sucesso porque o fluxo de vendas consegue acompanhar o fluxo das angariações. Mas o segredo deste sucesso pode encerrar uma falácia. Se estamos a falar por exemplo de uma equipa de diversos consultores que operam sobre a mesma marca, o mais natural é que as vendas e as angariações se sucedam a um ritmo mais ou menos regular. Mas, se estamos a falar na actividade de um consultor, tal não pode ser assim, comprometendo-se, no limite, a qualidade do serviço que se pretende prestar. Exemplifico:

Enquanto o cliente espera que o consultor esteja a fazer tudo para vender o seu imóvel pelo preço com o qual se comprometeu, este já está focado em angariar mais imóveis para cumprir os seus objetivos de número de angariações, pois sabe que alguns imóveis vendem-se logo, mas outros podem demorar o seu tempo – o que nem sempre tem que ver com o facto dos imóveis estarem (ou não) acima de preço. Ou seja, um consultor não poderá oferecer um bom serviço a mais de três ou quatro clientes em simultâneo. A não ser, claro está, que esteja a funcionar em equipa, assegurando assim uma qualidade de um serviço que se comprometeu a garantir.

Por outro lado, há ainda a ter em consideração os inúmeros consultores que, nas partilhas, se dedicam apenas à preocupação de jogar à raspadinha, ou seja, em perceber se há ou não registo de cliente e se este algum dia lhes bateu à porta para que possam evocar supostos direitos anteriores. Por norma são consultores que não têm uma relação sólida com um potencial comprador, não podendo designá-lo como cliente, mas procuram registar em seu nome potenciais compradores, no sentido de poder cobrar a sua percentagem ao proprietário do imóvel cliente da outra agência se estes compradores vierem a adquirir um imóvel.

Confesso-vos que quando andava mais dedicado ao mercado residencial sempre me fez uma enorme confusão os consultores que vinham falar do registo do cliente e da necessidade de se indicar, por exemplo, os quatro últimos dígitos do telemóvel para garantir que o cliente era mesmo meu e que não tinha sido deles em 1984, quando por acaso este mandou um fax para a agência. Estes consultores acabam também por gerar entropia aos processos, devido à inexperiência e insegurança com que se apresentam, e dificuldade de comunicação. Neste jogo, os clientes são ativos, com os quais se especula e transaciona futuros ganhos, e não seres humanos com necessidades a atender.

E tudo isto acontece sem que, muitas vezes, o cliente se aperceba das negociatas que se passam por detrás do negócio. Falei dos consultores da raspadinha, mas podia falar do comboio de consultores que apresentam algo que não é seu, do amigo dos amigos, do advogado e de todo um subsistema de gente que, em muitos casos, pouco ou nenhum valor acrescenta ao negócio, embora ache que tem de ganhar algo porque faz parte de uma suposta cadeia de valor. Um fenómeno que, como sabemos, não é apenas exclusivo dos consultores imobiliários e que, quantas vezes, se estende aos compradores que apoiam esta prática, ajudando o amigo ou amiga a receber uma comissão, achando que não estão a perder nada com isso porque é o vendedor que paga.

Aqui chegados, volto a pedir a vossa paciência para lerem a última parte destas minhas reflexões, desta vez dedicada à política de recrutamento das agências e das marcas, tema que falarei na próxima semana.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)