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Opinião

Francisco Mota Ferreira

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26 de agosto de 2024

Parece que está por aí um enorme sururu no sector por causa de uma série de artigos de opinião que foram escritos nas últimas semanas no Observador (aqui, aqui e aqui), . Tive o cuidado de os ler a todos e começo por saudar o jornal por estar a dar palco a quem quer escrever sobre o imobiliário. Quando o comecei a fazer, em 2020, era considerado um tema de nicho e, tirando talvez, as coisas amais maçadoras dos advogados, não se via muita coisa escrita (e o que se via era de uma enorme sensaboria).

Escrevo há mais de quatro anos sobre o imobiliário e, mesmo assim, não me considero especialista do sector e acho que tenho ainda (e sempre) imenso para aprender. É por isso que gosto imenso de ouvir as outras pessoas, participar em tertúlias e perceber que há sempre algo que aprendemos ou que não consideramos.

Por outro lado, o liberal que há em mim diz-me que é bom lermos as opiniões de quem pode ter palco para as expressar. Como estamos, felizmente, em democracia podemos ser livres de dizer o que bem entendemos, desde que sejam obviamente respeitados os limites da nossa liberdade pessoal e a dignidade de terceiros, tentando que, na medida do possível, o que dizemos ou defendemos, não nos leve ao caminho dos tribunais e dos processos por abuso de liberdade de expressão ou, no limite, a condenações pelas entidades responsáveis.

Deixem-me tentar ser aqui uma espécie de árbitro e colocar aqui um bocado de água fria na fervura. Eu vejo razões e argumentos para que as pessoas tenham escrito o que escreveram nestes artigos e também vejo razões e argumentos para os comentários indignados de cada uma das partes que pulularam nas redes por estes dias (e que me “obrigaram” a interromper um detox das redes sociais para ir acompanhando este tema).

Para quem está de fora e não percebe (ou não quer perceber) a real dimensão do trabalho que um consultor imobiliário tem, 5% + IVA de comissão num negócio é, obviamente uma fortuna. Por exemplo, receber um cheque de 25 mil euros (+ IVA) num negócio de 500 mil é imenso dinheiro, principalmente se apenas considerarmos o valor de faturação e não olharmos para o valor real recebido. E, se nos dermos a esse trabalho (ou se fizermos as contas, na feliz expressão de desespero do então PM António Guterres quando foi confrontado com o valor real do Produto Interno Bruto) vemos que, se calhar não é assim a fortuna que nos querem fazer pintar.

Acompanhem-me neste exercício: 25 mil euros traduzem-se muitas vezes, em 12.500 euros porque é feita a partilha de negócio. Estes 12.500 são, por norma, cortados a metade, porque a agência fica com cerca de 50% e o consultor com o restante. Já vamos, portanto em 6.250€. Deste valor, cerca de metade vão para impostos, o que faz com que o consultor tenha 3.125€. Neste montante, convirá descontar o investimento feito em marketing (na divulgação do imóvel em várias plataformas, online e físicas), a gasolina, as comunicações, o tempo e inúmeras variáveis não quantificáveis, mas que devem ser tidas em linha de conta porque, no final de contas, ninguém trabalha de graça ou só para aquecer, certo? Vamos, for the sake of argument, considerar também metade deste valor para todos estes gastos, ponderáveis e imponderáveis, quantificáveis ou não. Contas feitas estamos a falar de um lucro, salário, ou o que quiserem chamar de 1.562.50€. Já não parece assim tanto, pois não?

O problema, nestas coisas que despertam paixões e indignações de diversa índole, é que há sempre a tendência de confundir a estrada da Beira com a beira da estrada. E, no sector imobiliário, como tenho já escrito diversas vezes, nós somos os nossos primeiros inimigos, o que resulta que, quem está de fora, tem uma manifesta incapacidade de nos levar a sério na hora da verdade.

Quem me acompanha, sabe bem porque é que digo isto. Por mais que se queira e se defenda, parece que não há regulação possível: a licença AMI está a saque, há setores de atividade que adoram dar uma perninha no imobiliário, entra quem quer, as formações são risíveis, a triagem é nula e por muito que se encha a boca a falar de credibilidade, somos nós às vezes os primeiros a rebentar com ela a troco de um mero prato de lentilhas. É, também por isso, natural que os outsiders acham que podem opinar e dizer o que bem entendem: porque tiveram uma má experiência, porque acham que “isto” é só pôr uma placa e siga ou porque não querem pagar “fortunas” a quem acham que nem a 4ª classe tem.

E claro que é muito mais fácil andarmos aqui a bater no ceguinho, esquecendo-nos que contratamos um eletricista, um canalizador, um mecânico ou, noutra linha, um advogado, um engenheiro ou um arquiteto… e pagamos o que for preciso para vermos o nosso problema resolvido. Mas, como sabemos, os problemas de Portugal e do mundo estão concentrados na comissão pedida pelo consultor imobiliário, certo?

Felizmente, vivemos num mundo livre em que quem quiser pode optar por não recorrer a estes serviços e até, imagine-se, vender o seu imóvel sem os seus conselhos profissionais. E assim evitar pagar aquelas “fortunas”. Mas, num mundo ideal, o que eu acharia mesmo bestial era que, uma vez tomada essa decisão, as opiniões destes profissionais fossem tidas em linha de conta e cada potencial cliente não achasse que sabe mais do que quem, supostamente, faz disto o seu modo de vida.

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio).

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico