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Entrevistas

Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII

2024: Via Verde para a habitação?

26 de janeiro de 2024

Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários, admite que os desafios para 2024 são vários, nomeadamente saber qual a posição do novo governo face à crise habitacional, e se vamos ter um governo a favor ou contra o investimento imobiliário. Depois enumera três pilares dos grandes obstáculos que se encontram no sector: A instabilidade e a imprevisibilidade legislativas, a morosidade nos licenciamentos e a carga fiscal. 

Uma das soluções que apresenta é a Via Verde para a habitação para resolver a crise habitacional que se vive. Salienta ainda que para isso é ncessário também desburocratizar e refere mesmo que se deve exigir mais eficiência às Câmaras Municipais, mudando a cultura que está instituída há décadas e que tem, de facto, dificultado de forma monstruosa, a criação de novos projectos habitacionais, porque na sua opinião: “Enquanto existir um burocrata, existirá sempre burocracia”.

O que se pode esperar para o mercado imobiliário em 2024?

O mercado residencial tem apresentado um abrandamento desde meados do ano passado. Aqui destaco o contexto inflacionista e o aumento das taxas de juro, que estão a causar um natural abrandamento neste mercado. Mas, a instabilidade e a imprevisibilidade legislativa e política que vivemos em Portugal é a nosso ver uma das principais causas para este abrandamento. A somar a isto, o ataque que tem sido feito a quem tem propriedade e a quem investe com toda a panóplia de legislação contra a propriedade, contra o investimento que tem sido feita, como o fim dos Vistos Gold, o alegado fim do regime dos Residentes não habituais, tem realmente levado o mercado imobiliário e residencial a um certo período suspensivo, deixando projectos e novos investimento em stand by na expectativa de ver exatamente o que vai acontecer.

Em termos de desafios para 2024, destaco a incerteza de saber qual a posição do novo governo face à crise habitacional, e se vamos ter um governo a favor ou contra o investimento imobiliário. É importante perceber-se que a produção imobiliária no nosso país tem encontrado e encontrará certamente no começo do novo ano, vários obstáculos, que elenco em três grandes pilares. Em primeiro lugar a instabilidade e a imprevisibilidade legislativas, a morosidade nos licenciamentos e a carga fiscal. Aqui é importante ainda referir o ambiente hostil a quem quer investir. Tudo isto aliado a avanços e recuos nas medidas governativas, está a inviabilizar o surgimento de novos projectos o que, naturalmente, atrasa o desenvolvimento do sector.

Quais as tendências para este ano que podem dinamizar o imobiliário?

2024, via verde para a habitação?

Iniciado que está 2024, estamos também em contagem decrescente para mais um momento decisivo do nosso país, as eleições legislativas. E com isto é também chegada a altura de reflectir, aprofundadamente, sobre que políticas de habitação queremos ter daqui em diante, quais as acções que estamos dispostos a assumir para mudar a dura realidade que se vive há já alguns anos em Portugal.

Ao longo do ano, a APPII tem frisado que a escassez de casas é a raiz do problema da crise da habitação me Portugal. O défice na oferta em relação à procura resulta naturalmente no aumento dos preços, tornando a habitação inacessível para muitos portugueses. A solução, aparentemente simples, reside na construção de mais habitação, para que possamos ter casas que os portugueses possam pagar. No entanto, as medidas implementadas ao longo deste ano não foram suficientes. É necessário, entre outros, uma maior simplificação nos processos de licenciamento, incentivos adicionais à construção nova e uma carga fiscal adequada.

Pese embora o cenário seja desafiador, a APPII acredita que 2024 pode ser encarado com esperança, na expectativa que, havendo um compromisso sério entre os sectores público e privado para abordar as questões fundamentais que alimentam a crise habitacional, o país possa concretizar o verdadeiro ponto de viragem no paradigma da habitação a que se tem assistido. Não há aliás, do nosso ponto de vista, outra forma de resolver o problema no médio prazo. O reconhecimento político que foi dado ao tema, revela a urgência em agir, e é já um sinal positivo, mas não se reflectiu em medidas suficientes que resolvessem o problema, é preciso mais. Em primeiro lugar precisamos de coragem, coragem para fazer, reformar por forma a romper com o passado para criar medidas concretas que deem início à resolução deste problema nacional.

Também se revela importante nunca perder de vista outros factores vitais para a criação das verdadeiras cidades do futuro. E aqui é imperativo considerar o desenvolvimento de zonas urbanas de forma sustentável, aliadas a um planeamento urbano inteligente, que pode não apenas aliviar a pressão sobre os mercados imobiliários nas áreas metropolitanas, mas também criar comunidades mais equitativas e resilientes.

De volta à reflexão inicial, surge a questão: À luz do que foi 2023, como queremos que seja 2024 em matéria de habitação?

Os desafios são muitos, e reclamam ação, a APPII como representante do sector está, uma vez mais disponível para ser parte da solução, ao lado do próximo governo, assim haja vontade e coragem política para assumir que os investidores são parte da solução para colocar habitação nova no mercado, de forma célere e para todos os segmentos do mercado. A produção imobiliária no nosso país diminuiu muito nesta década, tem encontrado e encontrará certamente no começo do novo ano, vários obstáculos. A solução está precisamente em criar um ambiente favorável à habitação, uma via verde para a habitação que una os vários stakeholders com um único objectivo, colocar o máximo de casas no mercado no menor espaço de tempo. Será esta uma missão impossível? Acreditamos que não, basta rever a nossa história recente para saber que é possível, e que os portugueses e os seus governantes estão à altura desta missão.

O grande objectivo para 2024 é resolver a crise habitacional que se vivemos, e para tal é preciso unir todos os portugueses neste novo desígnio para alcançar o cabo da boa esperança!

E as maiores dificuldades que o mercado pode enfrentar?

O grande problema, mas ao mesmo tempo a grande oportunidade em Portugal, continua a ser a falta de habitação (ou dificuldade no seu acesso), assente na escassez de oferta que permanece desadequada face à procura e cuja principal consequência é a subida do preço das casas que se tem verificado na última década. Ora, este problema não foi resolvido até agora e não me parece haver ainda condições para quem 2024 o preço das casas baixe ou desacelere de forma significativa.

Nunca se construiu tão pouco em Portugal e a década 2011-2021 foi aquela em que menos se construiu. É necessário recuar um século para encontrar números tão baixos. A escassez de casas é a raiz do problema da crise da Habitação em Portugal e a solução – simples – reside na construção de mais casas, para todo o tipo de portugueses e classes sociais, especialmente as mais baixas, a classe média e para os jovens, segmentos onde a falta de oferta se faz sentir mais.

Ao problema da oferta, somam-se outros: desde 2010 verificou-se um aumento generalizado da procura de casas na União Europeia, o preço das habitações subiram em média 49% na UE, 80,54% em Portugal, de acordo com dados do Eurostat e do INE. Esta discrepância no território nacional é causada por problemas que são já conhecidos pelo setor e pelos governantes, como a elevada demora dos processos de licenciamento urbanístico, falta de oferta de terrenos para construção a preços acessíveis, complexa e elevada carga fiscal e finalmente e não menos importante a falta de estabilidade legislativa e governativa.

Importa compreender que o sector privado está interessado e empenhado em ser parte da solução, para construir mais e ajudar o país a ultrapassar a crise da Habitação. Os privados há muito que dizem: “estamos aqui, prontos para colaborar e construir mais casas que os portugueses podem pagar, mas não conseguimos!” Não conseguem porque não têm condições para poder fazer face às inúmeras barreiras à entrada de novos projectos, num curto espaço de tempo.

2024 e as eleições legislativas de Março podem e devem ser uma nova oportunidade reforçada para os portugueses exigirem ao futuro líder do país a resolução do problema da Habitação. Esperemos até que da campanha eleitoral resultem medidas concretas que tragam mais casas aos portugueses e no menor de espaço de tempo possível.

Os líderes dos partidos políticos com maior assento parlamentar reconheceram já que é necessário implantar um pacote legislativo para a Habitação, que dê resposta à actual crise que se vive em Portugal. Mas os portugueses precisam compreender que medidas são essas e como vão ter efeito nos próximos anos, dado que a situação exige medidas concretas, céleres e sobretudo corajosas. Atrevo-me a dizer que é necessário criar um pacote para a Habitação que traga medidas de choque a nível fiscal e legislativo para que os portugueses vejam não a luz ao fundo do túnel, mas uma luz ao fundo do corredor das suas novas casas, adequadas ao seu agregado familiar e às novas exigências da sustentabilidade ambiental.

Como os promotores imobiliários encaram 2024?

A resposta é fácil: CELERIDADE NA DESBUROCRATIZAÇÃO PARA A CELERIDADE NA CONSTRUÇÃO

Entre todos os elencáveis factores que actualmente interferem negativamente com o setor imobiliário, cumpre que se destaque o da elevada burocratização pré-construção. São muitas e demasiadas as entidades e os diplomas que têm uma palavra a dizer na altura de construir.

Percebe-se que, mais que nunca, o excesso de burocratização está a afectar o país e a qualidade de vida dos que aqui residem, ou dos que querem vir residir.

Para comprovar a ideia antecedente, olhemos a dados. Nos dias que correm, constrói-se menos 85% do que há 20 anos. Ao que, se cumula o crescente interesse estrangeiro em residir nas grandes cidades de Lisboa e do Porto. Não são precisos aprofundados conhecimentos em economia para se interpretar esta realidade – existe, em simultâneo, mais procura e menos oferta do que no passado.

Desta feita, há que reconhecer a intenção que está na génese de iniciativas como a do programa Simplex - acelerar e descomplicar a construção de novos fogos habitacionais.

No que ao licenciamento concerne, a intenção do programa passou por eliminar licenças, autorizações e outros procedimentos que criem encargos para as empresas, melhorando a também forma como são disponibilizados os serviços digitais que suportam estas formalidades e uniformizando o contacto entre a Administração Pública, as empresas e os cidadãos.

Porém, somos assolados por sentimentos contraditórios face a este Simplex. Se por um lado, esta medida foi vista pelos promotores imobiliários como animadora, por outro manifesta algumas lacunas no que toca à confiança dos investidores em avançar para um projeto, que, afinal de contas, passaria a ser feito sem recurso a um licenciamento mais aprofundado. Na verdade, tal é difícil de explicar a um investidor (ainda para mais, estrangeiro, ou mesmo até a um banco financiador). Isto porque, serão penosas as consequências de um projecto que se inicia sem licença que, por qualquer motivo, acabe por ser embargado, penalizando severamente quem (corajosamente) correu o risco de investir no sector imobiliário português e contribuir para combater a escassez da habitação.É certo que a desburocratização é imperativa, mas qualquer que seja o mecanismo utilizado, não deve pôr em causa a segurança do investimento. Não podemos combater a imperiosa celeridade do licenciamento a todo o custo, incluindo o enorme custo da segurança jurídica do negócio imobiliário. Se a burocratização é inimiga do promotor imobiliário, a insegurança e o risco também o são.

Assim, se o objetivo passa por construir mais habitação e incentivar os promotores imobiliários a fazê-lo, é premente desburocratizar, sim, mas nunca comprometendo a segurança jurídica do negócio imobiliário.

No mesmo sentido, ainda na ótica da desburocratização, surge a temática do Código da Construção.

Este tão desejado código, pode dizer-se que é extremamente importante para o sector da construção e, implicitamente, para a promoção imobiliária. Em concreto, para a desejada também, promoção imobiliária de “casas acessíveis”.

Este documento legislativo, de manifesta importância para o sector, visa a uniformização, harmonização e simplificação de quase de 2.000 diplomas sobre a temática da construção.

Para além de todo este trabalho de codificação da legislação do sector, que surge do conteúdo da Proposta de Lei 77, já promulgada pelo Presidente da República, esta proposta de um código da construção vai mais além daquilo que é a simplificação dos licenciamentos e sua respectiva digitalização, pois, visa inclusivamente, simplificar os próprios procedimentos, buscando alguma padronização dos mesmos.

É minha convicção que o novo Código da Construção é, de facto, uma necessidade evidente. Assim como, a criação de uma plataforma que possibilite um fácil acesso à consulta dos documentos legislativos do sector. Não estivéssemos nós em pleno século XXI e não se tenham já perdido processos em papel nas várias Câmaras Municipais por este país fora.

Porém, considero que devemos querer ir mais longe. Penso que está também em causa uma situação de mentalidade, de cultura da máquina do Estado. Uma mentalidade da própria Administração Pública, que deveria mudar e rápido. Uma mentalidade de conformismo face aos atrasos já conhecidos, mas também uma cultura do “não,”, do “complicómetro”, da burocracia e consequente corrupção (ainda estalada no nosso país), das dificuldades e seus favores, das “capelinhas” e dos “pequenos poderes”, da eterna mas já desactualizada “guerra” entre o público e o privado, da ideia de que apenas a gestão pública é a “boa” e a gestão privada a “má”, que só visa o lucro, enfim uma panóplia de toda uma cultura profundamente errada, que tanto penaliza há tantas décadas a esta parte a competitividade, o crescimento e o dinamismo da nossa economia e já agora, a criação de mais habitação acessível, ou não fosse o atraso nos licenciamentos camarários o maior “estrangulador” de casas que os portugueses podem pagar.

Será demais pensar em tornar as nossas Câmaras Municipais eficientes, na mesma medida, em que aspiramos desenvolver as nossas próprias empresas? Por isso, digo que o Simplex e o novo Código da Construção são positivos e simbolizam um passo em frente, mas não suficiente.

A meu ver, deve existir uma estratégia planeada e integrada, que traga, em traços gerais, mais eficiência às nossas Câmaras Municipais, mudando a cultura que está instituída há décadas e que tem, de facto, dificultado de forma monstruosa, a criação de novos projectos habitacionais.

“Enquanto existir um burocrata, existirá sempre burocracia”.

https://www.diarioimobiliario.pt/Perspectiva-se-um-2024-em-duas-velocidades-para-o-sector-imobiliario