Quando tentam roubar os imóveis
Na semana passada, discorri aqui sobre as vantagens de ter um contrato em exclusivo para a venda de um determinado activo. E tentei explicar porque é que, a meu ver, mesmo com todos os pressupostos que se possam argumentar em defesa de um contrato aberto ou de um acordo em exclusivo, a última opção é a que, de longe, oferece as melhores garantias de sucesso a todas as partes, que poderão fazer parte do negócio: clientes (vendedor e comprador), consultores imobiliários e agências.
Por autolimitação de caracteres, deixei de fora algo que, no meu entendimento, podemos classificar como os inconvenientes de um exclusivo. Que assentam em raízes mais profundas e que mexem com conceitos que, infelizmente nos dias de hoje ainda queimam no imobiliário: a confiança, a partilha e a seriedade.
Quando se angaria um activo em exclusivo partem-se de algumas premissas que deviam ser invioláveis. O contrato é assinado entre o consultor/agência e o cliente e assenta num pressuposto de confiança básico: que, durante a vigência do contrato – por norma seis meses - o cliente confia que o consultor e a agência tudo farão ao seu alcance para que o imóvel seja vendido durante esse período. De igual modo, o consultor/agência assina este acordo sabendo que tem esse espaço temporal para tentar cumprir a vontade do seu cliente e comprometer-se a fazê-lo tendo por base o que prometeu e os meios ao seu alcance.
O problema, como tão bem sabemos, é que muitas destas relações contratuais nascem inquinadas desde início, com ambas as partes a terem culpas no cartório. O proprietário, porque contrata o profissional e impõe o valor que pretende para a venda do imóvel. Mesmo que este valor seja irrealista. E porque sabe que pode, a qualquer altura, denunciar o contrato firmado - porque mudou de ideias ou entende que poderá fazer outra escolha futura com outro profissional. Dir-me-ão que não será assim tão fácil, mas, infelizmente, assim é.
Do lado da agência/consultor, a coisa pode ficar também comprometida porque muitas vezes o profissional promete o que não tem ou não quer dar, apenas na ânsia de ter o contrato assinado. E isso, como tão bem sabemos, passa, por exemplo, pela frase gasta de “eu tenho cliente para o seu imóvel”, pela promessa de divulgá-lo em 300 sites (sendo que 299 são, por norma, uma tanga) ou os receios que, infelizmente, existem, de partilhar o imóvel com os colegas, dando dados esparsos e escondendo localizações e outras características para que a concorrência não vá falar com o proprietário e tentar roubar a angariação.
No limite, quando tal acontece, é porque com qualquer uma das partes faltou a receita mágica para que o negócio tivesse sucesso: a confiança, a partilha e a seriedade. Se o cliente denuncia o contrato e muda de consultor/agência é porque deixou de acreditar nas capacidades de quem o representava. Se o consultor não partilha às claras um activo que tem em exclusivo é porque desconfia que o colega ou o cliente poderão fazer a negociata no futuro sem ele. E, se nenhuma das partes é séria, o mais natural é que, na primeira oportunidade, a coisa rebente, com todos a passarem culpas de uma suposta inépcia, incompetência ou seriedade. Será, talvez, também por isso, que começa a ser cada vez mais frequente agências e consultores apostarem em contratos de exclusividade com clientes compradores e não se mostrarem muito preocupados em angariar o que quer que seja. Um tema que conto desenvolver muito em breve.
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)