Primeiro trimestre com subidas e descidas no mercado imobiliário
Investimento, habitação e escritórios comprimem actividade, em contraste com a logística, o retalho e os hotéis, que sustentam os níveis pré-pandemia, diz o relatório trimestral da JLL, "Market Pulse". Escassez de oferta continua a ser transversal a todo o mercado e o mercado imobiliário teve um desempenho a dois ritmos. De um lado, o investimento, a habitação e os escritórios, onde os níveis de transação desaceleraram. De outro lado, o imobiliário logístico, de retalho e os hotéis, nos quais a atividade superou os padrões dos últimos dois anos.
Joana Fonseca, Head of Strategic Consultancy & Research da JLL, indica que “a redução da ocupação de escritórios e da venda de casas neste trimestre não surpreende. É uma tendência que já vem do último trimestre de 2022, e que é natural face à dupla circunstância de partirmos de mercados a transaccionar em níveis recorde e de haver um agravamento da conjuntura económica. A subida galopante das taxas de juro, o aumento da inflação e o aperto das condições de financiamento afetam as famílias e as empresas, que são os destinatários das casas e dos escritórios. Não é possível sair intocado desta conjuntura”.
Nos escritórios, a ocupação em Lisboa somou cerca de 20.000 m2 no trimestre, menos de metade do padrão médio do 1º trimestre nos últimos cinco anos. No Porto, a atividade perfez aproximadamente 8.000 m2, um nível 41% abaixo da média dos últimos cinco anos.
Em habitação, o 1º trimestre terá trazido nova redução das vendas, seguindo a tendência marcante ao longo de 2022. Embora o total anual tenha superado o resultado de 2021, a trajetória ao longo do ano passado foi de perda de fôlego, com o 4º trimestre a colocar as vendas 12% abaixo do 1º trimestre (38.500 vs 43.500, dados do INE). A expetativa é que o 1º trimestre de 2023 apresente uma quebra na ordem dos 5% face ao trimestre anterior.
Quanto ao investimento em imobiliário comercial, que neste trimestre ficou em €240 milhões, ou seja, a menos de metade da média do registo do 1º trimestre dos últimos cinco anos, Joana Fonseca diz que “reflecte a postura de maior cautela dos investidores num ambiente macroeconómico marcado pela incerteza quanto à evolução das taxas de juro e da inflação no arranque do ano. Não é uma questão de atratividade do mercado português, nem da sua capacidade de gerar retorno”.
Entre os segmentos com desempenhos mais dinâmicos, destaca-se o imobiliário logístico, onde foram ocupados 214.000 m2 no trimestre, mais que duplicando os resultados de iguais períodos dos últimos dois anos. O imobiliário de retalho surpreendeu pela positiva, impulsionado pela sustentação do consumo em contexto de perda de poder de compra. Nota positiva para os centros comerciais, bem como para os retail parks, além do formato de rua em Lisboa e Porto, com bom desempenho das vendas e procura de novos espaços. Na hotelaria, a ocupação em Lisboa e Porto aproximou-se dos níveis do 1º trimestre de 2019, e a capital registou mesmo diárias e RevPar superiores a esse período. Este continua a ser um setor de aposta, com a abertura de três novos hotéis de cinco estrelas (um em Faro e dois no Porto) e dois de quatro estrelas (em Lisboa) neste período.
A propósito do desempenho destes segmentos, Joana Fonseca realça “no retalho, esperava-se um impacto forte e mais imediato da perda de poder de compra das famílias. Contudo, as vendas não caíram, o que se refletiu positivamente na operação das lojas e na maior confiança de quem procura espaços novos para abrir”. Em relação à logística, “já esperávamos este acréscimo de ocupação, porque há uma procura muito ativa que não se tem materializado apenas porque há falta de espaço adequado. Na hotelaria, os bons registos de operação refletem um turismo que deixou totalmente para trás os anos pandémicos”.
Em termos dos valores praticados, o trimestre foi marcado por uma subida das yields, aumento das rendas em logística e estabilidade nos escritórios e retalho, ao passo que na habitação, a JLL identifica já uma tendência de arrefecimento dos preços nos dois principais mercados, Lisboa e Porto. A subida das yields atingiu praticamente todos os segmentos, com incrementos entre 25 e 50 pontos base nos centros comerciais prime, na logística e nos escritórios prime. Nos escritórios, apesar da quebra na ocupação, a renda prime manteve-se estável em 27€/m2 em Lisboa e em 18€/m2 no Porto. O retalho estabiliza o valor prime do comércio de rua em 130€/m2 em Lisboa e 70€/m2 no Porto, ao passo que nos centros comerciais prime houve até lugar a uma atualização trimestral de 4% para 120€/m2. Na logística, observam-se subidas em grande parte das localizações, lideradas pelo aumento de 15% no eixo Palmela-Setúbal. Em relação à habitação, a JLL destaca o ajuste em ligeira baixa nos valores médios de transação neste trimestre em Lisboa e Porto, com preços de 4.200€/m2 em Lisboa e 2.800€/m2 no Porto (dados Confidencial Imobiliário).
A responsável avança ainda que “os valores do imobiliário, em termos de rendas, preços ou yields, refletem a grande resiliência deste setor. A nota geral é de estabilidade, havendo lugar a ajustes apenas ligeiros e em alguns segmentos, apesar de uma natural quebra de ocupação e vendas, bem como de um sentimento de maior cautela por parte dos investidores e dos consumidores”.
E acrescenta: “A falta estrutural de oferta que se mantém é uma das justificativas para esta sustentação de valores. O desequilíbrio face à procura é muito acentuado, de tal forma que, mesmo em contexto de menor dinâmica de vendas e arrendamento, não há um choque de valores. É preciso, por isso, continuar a investir na criação de nova oferta em todos os segmentos, quer por via da construção de raiz quer da requalificação do parque imobiliário existente”.
Relativamente ao restante do ano, Joana Fonseca está confiante de que “os segmentos mais afectados neste trimestre acelerem, mesmo que com potenciais reajustamentos de valor. Por um lado, já temos sinais de maior estabilidade macroeconómica, confirmando-se a desaceleração da inflação e um menor ritmo de subida dos juros, o que terá impacto na confiança de quem procura de imóveis, seja para investimento, ocupação ou compra. Por outro lado, não há uma perda de competitividade do imobiliário em qualquer destas componentes e este é um setor que se mantém atrativo, inclusive na captação de capital internacional. Falta apenas assegurar a estabilidade fiscal e legislativa, que é um garante muito importante para a confiança dos investidores e para o aumento da oferta”.
Principais conclusões do estudo:
INVESTIMENTO
- Transação de 240 milhões de euros no 1º trimestre em imobiliário comercial, alinhando com o mesmo período de 2022, mas 63% abaixo da média dos primeiros trimestres dos últimos cinco anos.
- Actividade marcada por uma operação de €150 milhões, envolvendo a compra de um portefólio de 40 supermercados em todo o país pela LCN Partners.
- Assim, o retalho gerou 63% do montante investido, os escritórios 16% e logística outros 16%.
- Capital estrangeiro agrega 85% do volume investido.
- As yields exibiram tendência de crescimento, com os escritórios prime a subirem de 4,5% para 4,75% e os centros comerciais prime de 5,25% para 5,75%.
HOTÉIS
- Número de hóspedes e dormidas cresce 14% face ao 1º trimestre de 2019, para, respetivamente, 5,1 milhões e 12,5 milhões.
- Em termos de indicadores de desempenho dos hotéis, as taxas médias de ocupação ficam ainda ligeiramente abaixo do 1º trimestre de 2019 (58% em Lisboa e 51% no Porto). As diárias e RevPar de Lisboa estão em máximos, atingindo 128 euros e 74 euros, respectivamente. No Porto, com diária de 93 euros e RevPar de 47 euros, estes indicadores superam os últimos três anos e aproxima-se bastante do 1º trimestre de 2019.
- O sector hoteleiro mantém o interesse, registando a abertura neste trimestre de um hotel de 5 estrelas em Faro e outros dois no Porto, além de dois hotéis de quatro estrelas em Lisboa.
HABITAÇÃO
- O mercado de habitação mantém níveis de desempenho robustos, devido ao forte desequilíbrio entre oferta e a procura. Contudo, impactado pela conjuntura económica, regista um menor ritmo de vendas e assinala já alguns ajustes de preços nos mercados mais aquecidos de Lisboa e Porto.
- Não há um choque de procura, como se comprova pela boa dinâmica na comercialização dos projetos novos que chegam ao mercado, e pela dinâmica do público nacional (61% das vendas da JLL foram concretizadas a compradores portugueses).
- As medidas do programa Mais Habitação podem ter o efeito contrário ao pretendido, nomeadamente ao nível da criação de nova oferta e especialmente a de arrendamento. O arrendamento coercivo de casas devolutas ou os tetos de renda podem limitar a atividade do mercado e criar incerteza, levando os promotores a adiar ou cancelar projetos.
LISBOA – Mercado continua com boa dinâmica e, entre as vendas mediadas pela JLL, 63% das casas foram adquiridas por portugueses. Entre os estrangeiros, os brasileiros e os americanos são os mais ativos. Não obstante, o mercado tem menor dinâmica em termos de unidades vendidas e exibe algum ajuste dos preços médios de venda (-3% em termos homólogos), que no 1º trimestre ficaram em 4.200€/m2.
PORTO – Mercado igualmente dinâmico, com procura saudável para os novos lançamentos comerciais, alguns dos quais com 80% de taxa de venda ou reservas. Neste mercado dominam os compradores nacionais, de acordo com o universo de vendas geridas pela JLL. Tal como Lisboa, regista um ajuste de preços médios e perda de ritmo nas vendas. O valor médio de transacção no Porto ficou em 2.800 euros/m2 no trimestre, cerca de 6% abaixo do mesmo período do ano passado.
ESCRITÓRIOS
- No 1º trimestre, Lisboa registou um take-up de 19.900 m2, quebrando 69% em termos homólogos. No Porto, a ocupação ficou em 7.700 m2, superando o período homólogo (+32%), mas exibindo um nível baixo de atividade.
- A tendência de abrandamento na ocupação de escritórios não é exclusiva de Lisboa, sendo visível noutros mercados europeus, em reflexo de uma maior cautela das empresas e incerteza económica.
- Mantém-se uma procura ativa de espaços de elevada qualidade, boas áreas por piso e que integrem preocupações de sustentabilidade.
- As rendas prime mantêm-se estáveis, atingindo 27 euros/m2 em Lisboa e 18 euros/m2 no Porto.
- A taxa de disponibilidade em Lisboa é de 9,2%, acima do trimestre homólogo
- Existem 275.000 m2 de novas áreas de escritórios em Lisboa em construção e 85.600 m2 no Porto.
RETALHO
- As vendas a retalho aumentaram 1,6% no 1º trimestre (em termos homólogos, dados INE), com impacto positivo nos centros comerciais. Em alguns casos, o desempenho operacional superior permitiu já uma atualização das rendas para refletir a inflação. Nos centros comerciais prime, a renda aumentou em torno dos 4% para 120€/m2.
- Em Lisboa, o comércio de teve uma dinâmica típica de início de ano, com as marcas a procurarem ativamente lojas em localizações estratégicas, com preferência para espaços entre os 100 m2 e os 400 m2. Forte procura para ginásios e segmento de saúde e bem-estar. Rendas estáveis, lideradas pelos 130 euros/m2 no Chiado.
- No Porto, forte impulso do comércio de rua devido ao regresso do turismo e à abertura do projeto âncora do Mercado do Bolhão. Ao mesmo tempo, áreas mais residenciais estão a emergir no mapa de retalho, como é o caso da Boavista, com abertura de espaços de restauração e bem-estar. A avenida dos Aliados consolida-se como o eixo premium, atraindo mais marcas de gama alta. Renda prime estável, liderada por Santa Catarina, nos 70 euros/m2.
INDUSTRIAL & LOGÍSTICA
- O mercado registou uma ocupação de 214.000 m2 no trimestre, mais que duplicando a atividade do mesmo período do ano passado e triplicando o resultado do 1º trimestre de 2021.
- Cerca de 52% da ocupação teve lugar na região de Lisboa, destacando-se o eixo Carnaxide-Alfragide; outros 2% no Porto e 46% no restante território nacional.
- Continua a existir muita procura por satisfazer, especialmente nas áreas mais consolidadas, reflexo dos insuficientes níveis de oferta qualificada.
- As rendas prime aumentaram em boa parte das zonas neste trimestre, incluindo em Lisboa e Porto, com o eixo Palmela-Setúbal a observar o maior crescimento, de 15%. Ainda assim, esta zona continua a ser a mais barata (3,75 euros/m2) da região de Lisboa, comparando com os 6,25 euros/m2 registados em Carnaxide-Alfragide, a mais cara. No Porto, a renda prime mais elevada é no eixo Norte, em 4,5 euros/m2.