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Opinião

Francisco Mota Ferreira

Os pintas e os outros

25 de julho de 2022

Há muitos anos atrás, um anúncio apresentava um “pintas” a abrir as abas do seu casaco, para mostrar uma imensidão de relógios a imitar as marcas da moda, e a desafiar os mais incautos para uma suposta compra de qualidade. Se não estou em erro, o comercial terminava com uma pergunta que versava qualquer coisa deste género: “E você, comprava-lhe um carro?”.

Desconheço se a ACAP ou o ACP tiveram alguma influência neste anúncio, mas enquanto pessoa que acompanha e gosta do imobiliário entristece-me que os IMPIC desta vida e as associações do sector continuem a olhar para o seu pequeno quintalzinho sem se preocuparem em promover mudanças significativas que, a meu ver, urgem ocorrer no imobiliário.

Tenho para mim que muitas das coisas que me parecem óbvias nos dias de hoje não reúnem sequer o consenso dos muitos profissionais, quanto mais os milhares de pessoas que estão de fora e olham para quem faz do imobiliário vida como uma cambada de gatunos que tentam enganar os mais incautos. Eu sei que muito do que acontece de menos bom no imobiliário decorre de nós próprios. Da nossa incúria, do nosso laxismo, da incapacidade de uma só pessoa poder fazer a diferença, do crime sem castigo e tantas e tantas queixas que todos nós estamos cansados de ouvir ao longo de anos e que tornam este sector um albergue espanhol onde se pode encontrar, o bom, o mau e o vilão.

Recorrendo ao exemplo da venda automóvel, mesmo que muitos de nós possamos até recorrer aos stands multimarca da beira de estrada, sentimos mais confiança quando entramos num escritório que representa a marca de carro que queremos comprar. E isso ocorre porque, em termos de regulação, o sector automóvel está a anos-luz do caminho que devia ter sido já percorrido pelos profissionais do sector imobiliário.  Porque, no imobiliário estamos por norma de costas voltadas, focados apenas no nosso umbigo e nas nossas aparentes vitórias, anunciando as nossas conquistas nas redes sociais e esquecendo-nos que é cada vez mais urgente e premente defender o sector como um todo porque, apesar da profusão de associações e especialistas, no final do dia é cada um por si.

Aqui chegados, não é preciso ser um génio para reinventar a roda, porque, tal como as dietas, sabemos bem o que temos de fazer para ter sucesso. Deixo aqui algumas ideias que, acredito, já foram pensadas e defendidas por muitos de vós: profissionalizar a função de consultoria imobiliária que, podendo ser exercida em part-time ou full time, tem de ter regras bem claras que mostrem que não chega aqui quem quer, mas apenas quem pode. Mas também assegurar que, num negócio de cariz imobiliário, deva existir a obrigatoriedade de este ter um profissional licenciado (agência ou consultor com licença AMI) que acompanha o(s) cliente(s) e assegura a legalidade do mesmo.

Também levar a que as marcas e os consultores façam contratos em exclusividade com os seus clientes (estejam a defender os compradores ou os vendedores), para que os clientes possam escolher quem querem que os represente (e acabar com a fantochada de vermos num qualquer portal o mesmo imóvel representado por várias marcas e/ou agências). E, a propósito de portais, criar, finalmente, um portal único para o sector, onde todas as marcas possam anunciar e onde o particular seja impedido de o fazer. No dia em que o sector perceber que faz muito mais sentido isso do que estar a dar receita a portais que, literalmente, só andam atrás do nosso dinheiro, acredito que teremos dado uma boa pedrada no charco.

O caminho poderia passar também por tabelar as comissões, acabando com aquelas agências e ou consultores de vão de escada que descem as comissões até ao nível do ridículo. E, por último, fazer um esforço para que os nossos assuntos passem a ser discutidos de forma corporativa e para o bem comum de todos, salvaguardando-se o interesse da maioria. Acredito que com esta meia dúzia de regras, o sector imobiliário poderia, finalmente, olhar em frente com esperança e optimismo. Teremos essa capacidade?

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).