Sobre a arquitectura que temos e o futuro que queremos!
Muito se tem discutido, neste longo período eleitoral, sobre a classe dos arquitectos, sobre a sua prática, regulação, organização, etc. No entanto tem faltado um olhar sobre aquilo que deveria ser o principal foco do trabalho dos arquitectos...alcançar bons edifícios ou, numa melhor definição, edifícios com bom desempenho sobretudo ao nível da qualidade do ambiente interior. E tem faltado fazer uma reflexão acerca da desresponsabilização por parte da classe relativamente à questão do desempenho dos edifícios.
Sabemos que a qualidade dos edifícios que utilizamos é genericamente má e caracterizada pela má qualidade do ar interior, por insuficientes níveis de conforto térmico e acústico, por ambientes interiores com uma elevada exposição a humidades e bolores e por serem energeticamente ineficientes. Sabemos que as pessoas passam 80 a 90% do tempo dentro de edifícios (e já passavam mesmo antes do Covid-19) e sabemos também que há uma relação directa entre a qualidade dos ambientes interiores que utilizamos e a nossa saúde.
Os arquitectos, em grande parte por responsabilidade própria, têm estado à margem desta problemática em, pelo menos, dois níveis. Primeiro ao nível da prática de projecto. Os projectos de arquitectura são realizados muitas vezes, para não dizer a esmagadora maioria das vezes, sem um entendimento dos princípios da física das construções e da biologia das construções (noutros países existem as figuras do building physicist e do building biologist). E o projecto de arquitectura é a primeira e principal ferramenta para se alcançar o bom desempenho. Normalmente acabam por ser as especialidades e outros técnicos a resolver a questão e equipar o edifício, entenda-se...definindo e colocando equipamento.
Noutro nível, tem sido gritante a ausência da voz colectiva dos arquitectos na definição das regras e definições relativas à temática do desempenho dos edifícios. O que é que os arquitectos têm a dizer e o que é que têm dito, por exemplo, na definição dos nZEB, ou seja, os edifícios com necessidades quase nulas de energia, obrigatórios por directiva europeia?
Esta desresponsabilização pode ter origem no facto da arquitectura em Portugal ter sido desenvolvida a partir das belas artes e, por isso, com menor pendor técnico. Mas é altura de arrepiar caminho e, enquanto arquitectos, chamarmos a nós e ao projecto de arquitectura a maior responsabilidade na definição dos ambientes que vivemos e dos edifícios do futuro. E o futuro será vivido com edifícios saudáveis, confortáveis, acessíveis e sustentáveis. A valorização da arquitectura tem de passar pela valorização do projecto de arquitectura como ferramenta crucial para conseguirmos bons edifícios.
João Gavião
Arquitecto, formador e Certified Passive House Designer
Membro fundador da Associação Passivhaus Portugal