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Opinião

 

Reabilitação Urbana: Justifica-se manter os benefícios?

12 de março de 2018

A reabilitação urbana tem sido uma actividade fortemente incrementada nos anos mais recentes. Depois de décadas de degradação do parque habitacional edificado, as instituições públicas através dos municípios e sobretudo os particulares, redirecionaram fortemente o seu investimento para este sector. As razões são evidentes: Inexistência de remuneração dos depósitos bancários, aumento exponencial do fluxo turístico; regime fiscal dos estrangeiros não residentes e generalização do alojamento local temporário. Acresce a isto a existência de incentivos fiscais à reabilitação.

Durante anos foi unanime a reivindicação da opinião publicada, no sentido de incrementar esta área de actividade, em detrimento da edificação nova, mas isso não entusiasmou os investidores, que até ao surgimento de condições especialmente favoráveis à reabilitação, continuaram a ignorar esta opção. É o mercado a funcionar.

Acontece que as condições especiais de financiamento da reabilitação urbana, através fundos públicos a isso dedicado e os benefícios fiscais em sede de IMI, foram politicamente assumidos, com o objectivo de reabilitar os prédios antigos (degradados por décadas de congelamento das rendas) para com isso criar um mercado de habitação com rendas acessíveis aos nacionais. Nem de outro modo teria sentido, isentar estes prédios a reabilitar, de requisitos como áreas mínimas de habitação, altura do pé-direito, instalação de elevadores, acessibilidades, acústica, eficiência energética e térmica, gás e telecomunicações.

Mas está a ser esse, o destino dos imóveis reabilitados na maioria das cidades? Parece hoje notório que não está. Rapidamente o que se prefigurava como uma medida estrutural, para minorar crónico o problema habitacional português, se transforma numa actividade a caminho do mais rudimentar mercantilismo. De facto, a falta de uma política de solos - sempre adiada - que ponha termo à sobrevalorização artificial da propriedade urbana, conduz inevitavelmente ao estabelecimento de preços especulativos. O preço especulativo, inicia-se na avaliação do terreno edificável ou da construção degradada pré-existente. A partir deste primeiro factor, puramente discricionário e artificial, que desde logo inquina toda a formação de preços posterior, somam-se custos com construção, mão-de – obra, subitamente escassa, materiais, a maioria importados, bem todos os custos burocráticos habituais. Imaginar que um produto imobiliário gerado neste contexto pode contribuir para criar um mercado de habitação – para compra ou arrendamento – por pessoas cujo rendimento ilíquido se situe- entre os 800 e os 1200 Euros, é pura ilusão.

Se a formação do preço dos imóveis reabilitados e o valor de venda que atingem, reduz o destino da sua oferta a alojamento local de turistas, aquisição por reformados da União Europeia e a investidores africanos ou brasileiros, que pretendem por o seu dinheiro a bom recato, naturalmente que tais investimentos continuam a ser do interesse geral, mas então inserem-se numa logica de puro mercado.

Com tanta procura, mesmo com preços tão elevados, justifica-se manter o regime excepcional de reabilitação? Justifica-se manter a dispensa de um conjunto de requisitos de segurança e qualidade das habitações reabilitadas, quando afinal estão a ser transacionados por valores que seriam próprios de habitações que satisfizessem esses requisitos?

Justifica-se conceder benefícios fiscais a este tipo de produto, que não satisfaz o objectivo para o qual foram concedidos ou seja a disponibilidade de habitações para arrendamento a cidadãos com rendimentos médios?

A continuar esta situação, mais breve do que se esperaria, na falta pura e simples de habitação disponível para os seus cidadãos, o Estado terá de conceder facilidades e benefícios a quem estiver disposto a construir habitação nova. É uma espécie de quadratura do círculo.

José Manuel Oliveira Antunes

Jurista

Nota Final: Este texto é parte integrante do Projecto de I&D – Gestão Sustentável e Eficiente da Construção e das Operações de Reabilitação de Edifícios, inserido no Programa Português de I&D associado aos grandes contratos públicos.