A dedução do IVA na actividade imobiliária
Através do acórdão C-672/16, de 28 de fevereiro de 2018, o Tribunal de Justiça da UE (TJUE) veio clarificar as situações em que os sujeitos passivos de IVA estão obrigados a devolver ao Estado o imposto oportunamente deduzido. Pelas repercussões financeiras associadas, importa por isso conhecer o regime, e as oportunidades que agora se abrem.
Regra geral, a transmissão e a locação de bens imóveis está isenta de IVA. Porém, os sujeitos passivos podem, verificadas determinadas condições, renunciar à isenção do IVA sempre e quando os imóveis sejam utilizados total ou predominantemente em atividades tributadas. A vantagem na renúncia é evidente, ao permitir recuperar, total ou parcialmente, o imposto suportado na aquisição, construção ou manutenção dos imóveis.
O regime da renúncia à isenção do IVA é um regime exigente, ao impor o cumprimento de um sem número de condições objetivas e subjetivas, previstas no artigo 12.º do Código do IVA, e no Regime da Renúncia à Isenção do IVA nas Operações Relativas a Bens Imóveis, publicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro.
De entre as referidas condições, a lei impõe que a transmissão ou locação tenham como contraparte outros sujeitos passivos de IVA que pratiquem operações que confiram direito à dedução ou, no caso de sujeitos passivos mistos, quando mais de 80% do seu volume de negócios respeite a operações que confiram o direito à dedução do imposto (exceto em casos especiais). O tema da renúncia cinge-se, assim, às operações envolvendo imóveis para fins comerciais, deixando de fora as operações imobiliárias entre particulares.
Contudo, quem renunciar à isenção do IVA fica obrigado a afetar o imóvel a atividades tributáveis (ou isentas com direito à dedução) durante um período de 20 anos. Caso o imóvel deixe de ser utilizado “em fins da empresa”, ou deixe de estar afeto à realização de operações tributadas, o sujeito passivo está obrigado a regularizar anualmente 1/20 do IVA deduzido. Além do mais, quando o imóvel passe a estar afeto a fins alheios à atividade do sujeito passivo, ou quando mesmo deixe de ser utilizado na realização de operações tributadas por um período consecutivo de cinco anos (inicialmente dois anos), o sujeito passivo está obrigado a devolver a parte proporcional do IVA recuperado e respeitante ao período que faltar até aos 20 anos.
Além do impacto financeiro evidente, a obrigação de devolver, de uma só vez, o IVA em questão, encerra um efeito especialmente gravoso, qual seja, o de o imóvel deixar de ser considerado como estando afeto a operações tributáveis. O que impede o sujeito, com algumas exceções, de voltar a renunciar à isenção em novos contratos sobre o mesmo bem, impedindo-o de recuperar para o futuro o imposto suportado, por exemplo, em obras de conservação ou nas despesas correntes.
Até agora, sendo este o tema na origem do acórdão do TJUE cujo caso foi patrocinado pela PLMJ, a Administração Tributária (AT) sempre entendeu que os sujeitos passivos estavam obrigados a regularizar, numa base anual ou definitiva, consoante o caso, a parte do IVA sujeita ao período de regularização, sempre que os imóveis se encontrassem devolutos por mais de um ano, ou mais de cinco anos (à data dos factos 2 anos). Mesmo quando o sujeito passivo tivesse tentado comercializar o espaço em causa.
Porém, e no entender do TJUE, a obrigação de devolução do imposto nos moldes descritos deve considerar-se ilegal face ao Direito Comunitário, na medida em que o direito à dedução, uma vez cristalizado, deve perdurar. Mesmo quando o sujeito passivo não possa, por razões independentes da sua vontade, utilizar os bens ou os serviços que estiveram na origem da dedução no âmbito de operações tributadas. Admitir o contrário, violaria, no entender do TJUE, o princípio da neutralidade do IVA, permitindo o tratamento discriminatório de atividades de investimento idênticas.
O alcance prático da decisão agora conhecida é muito abrangente. Desde logo, pela possibilidade de os contribuintes que estejam em prazo de recuperar o imposto indevidamente entregue ao Estado.
Mas não só.
Na verdade, nos casos em que tenha sido vedada a possibilidade de realizar novas renúncias com base na regularização definitiva, poderá discutir-se até que ponto não poderão os sujeitos passivos ser ressarcidos do IVA que deixaram de poder deduzir. Finalmente, e para o futuro, passou a estar claro que a simples desocupação de imóveis por mais de um ano, ou cinco anos consecutivos, não despoleta a obrigação de proceder a regularizações anuais ou definitivas, quando se comprove que os mesmos são ativamente comercializados.
João Magalhães Ramalho
Sócio da PLMJ Fiscal
Especialista em direito fiscal pela Ordem dos Advogados
*texto escrito de acordo com o novo acordo ortográfico