Os calculistas
O que vou relatar aqui nas próximas linhas não é, felizmente, um exclusivo de uma marca ou de um conjunto de pessoas (ou até do imobiliário enquanto tal), mas é uma tendência que está a crescer neste sector. Confesso-vos que não sei se isto é algo que, hoje em dia, é ensinado nos fantásticos módulos de formação que as agências promovem para os recém-chegados, mas o que sei é que tenho registado inúmeras queixas de vários profissionais a dizer que estão desiludidos porque só lidam com pessoas interesseiras e com duas caras.
Há os curiosos que, ingenuamente, começam a falar connosco porque acham que podemos colaborar em conjunto – porque fomos referenciados por outros, porque espelhamos sucesso ou outra qualquer razão - e, como tal, iniciam esta relação de forma interesseira.
Há os insinuantes que, com base nos mesmos pressupostos, se mostram muito disponíveis para nós porque percebem que têm algo a ganhar nesta relação (e depois do negócio feito desparecem tão depressa como apareceram, até voltarem a surgir à tona quando acham que estão perante uma nova oportunidade de negócio).
Há os pragmáticos que, gostando ou não da pessoa que têm à sua frente, percebem que é com ela que podem fazer negócio e, como tal, avançam.
E há os megalómanos, que achando que têm acesso a todos os activos e todos os players, começam a falar connosco para tentarem fechar negócio porque acham que é connosco que terão o fit.
Haveria certamente muitos mais exemplos que poderia aqui identificar e definir, mas cingindo-me apenas a estes, sei que têm em comum a capacidade desprezível de terem duas caras e gerirem a sua relação entre pares de forma interesseira e calculista.
E tem duas caras porque, quando falam connosco, é tudo rosas e chocolates: passam-nos a mão pelo ego, com imenso charme, dizem que somos bestiais e fazem questão de nos querer fazer acreditar que é connosco que vão ser felizes e fazerem negócios.
Sejam curiosos, ingénuos, insinuantes, pragmáticos ou megalómanos todos acabam por cometer um erro de palmatória que inviabiliza qualquer futuro nesta relação. Há uma regra de ouro que qualquer consultor avisado deve seguir nas suas relações profissionais e que, a meu ver, passa pela confiança. Só se criando confiança entre as partes é que os negócios podem fluir e multiplicar-se. Dir-me-ão que as pessoas não têm que ser amigas do peito e que não há tempo para consolidar e construir amizades num sector tão competitivo e efémero como é o do Imobiliário. A estes cépticos, digo que não há nada mais errado.
As relações de confiança criam-se, solidificam-se e consolidam-se. O ditado “não há uma segunda oportunidade para criar uma primeira boa impressão” é algo que deve ser religiosamente seguido por todos os que queiram ter relações sólidas e de confiança no imobiliário: pessoais e profissionais. E as relações pessoais criam-se, solidificam-se e consolidam-se com a partilha de experiências pessoais. De nada me serve ter à minha frente um colega que até é um excelente vendedor, se ele não me sabe ouvir e perceber que, naquele momento, a conversa não era sobre a comissão do negócio partilhado, mas o de perceber se quem tenho à minha frente queria dar-se a conhecer nas outras vertentes da sua vida fora das quatro paredes do imobiliário.
Dito isto, até dou de barato que se possa ter alguns negócios com players que se identificam no raio x que acima referi, e ganhar (e dar a ganhar alguns milhares de euros de comissões conjuntas de acordos que são feitos). Mas, se não existir a confiança, se um dos lados perceber que o que está a ser criada entre as partes é uma relação oportunista, interesseira e meramente mercantilista, tenho a certeza que esta parceria não irá longe. Como, aliás, não foram em muitos dos exemplos que me foram sendo relatados. Felizmente, como também percebi, há inúmeros exemplos de amizades e cumplicidades que se criam no imobiliário e, em certa medida, desmontam tudo o que acima vos descrevi. Mas isso será tema para um próximo artigo.
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).