Dois pesos e duas medidas
Costuma-se dizer, e bem, que para se ter sucesso nos negócios imobiliários é preciso, em doses iguais, partilhar e confiar. Quem consegue partilhar e sabe confiar tem o caminho aberto para consolidar o seu sucesso no sector.
O problema, nestas coisas das partilhas, é que as pessoas são céleres em as defender no negócio, mas, muitas vezes acabam por se esquecer delas quando se fala das comissões. E já nem sequer falo da divisão dos 50-50, hoje mais ou menos comumente aceite entre todos, em que se divide em partes iguais as comissões por quem representa o potencial comprador e quem defende o vendedor.
Em relação a este ponto dos 50-50, sei bem que há quem não o pratique, fazendo 60-40, 70-30 ou quaisquer outras imposições draconianas. Em relação a isto, só tenho uma coisa a dizer: pode não ser justo – e não o é – mas, a partir do momento que as aceitamos, estamos a ser coniventes com as condições que nos propuseram. E, por isso, lamento dizer, não vale a pena dizer que os brokers ou as agências são uns maus porque, se não concordamos com as condições, não fazemos negócio. Certo?
Pelo que já reparei, quando estamos a tratar da venda do T1 na Amadora por 80 mil euros, somos todos uns heróis na nossa verticalidade e coragem, e não hesitamos em voltar as costas a um negócio que, se calhar, nos daria algumas centenas de euros de comissão, porque não aceitamos menos que direitos e deveres iguais para todas as partes.
No entanto, nestas andanças, o desafio, meu caro leitor, será o de manter esta mesma verticalidade e coragem quando estamos a falar dos negócios de seis dígitos. Eu sei que estes são muito mais apetecíveis por terem comissões bestiais e tal. Mas, também por isso, deveriam ter regras tão ou mais claras que todos os outros. Explico.
Neste tipo de negócios, até pelos valores envolvidos e o tempo que demoram a concretizar-se, o ideal é fazê-los de forma directa (ou a mais directa possível). Ou seja, a pessoa A tem o comprador e a pessoa B o vendedor. E a comissão é dividida 50-50. Quando assim é, dificilmente há polémica e fica toda a gente feliz.
O problema, nestas coisas, é que se a parte dos compradores/investidores até pode ser relativamente serena (ou tenho ou não tenho), na parte do activo corre-se o risco de entrar a bordo de uma enorme confusão. Querem um exemplo? Quantos de nós já receberam pedidos para arranjar compradores para o Hotel X, que está à venda e, quando nós começamos a puxar o fio à meada, reparamos que há imensos intervenientes e nem sequer chegamos a quem genuinamente tem o mandato do Hotel?
Já para não falar que o preço que chega a nós está em overpricing porque, apesar de ninguém ter o mandato, todos acham sempre boa ideia acrescentar mais uns milhares ao que supostamente foi definido inicialmente pelo proprietário. E, claro está, nunca nos lembramos que este preço inflacionado acabará por chegar ao proprietário ou, no pior cenário, às autoridades tributárias.
Pelo meio, cansamo-nos a perder tempo a discutir percentagens e comissões e quem ganha quanto, o quê e porquê, esquecendo-nos neste processo que, em teoria, quem deveríamos estar a zelar em primeiro lugar, deveria ser o cliente. E preocupamo-nos imenso com algo a que chamei a síndrome do comboinho, um tema que irei desenvolver mais em detalhe no meu próximo artigo.
Francisco Mota Ferreira
Consultor imobiliário