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Bazuca Europeia na Construção e Imobiliário: estaremos prontos?

23 de março de 2021

A pandemia veio interromper um ciclo positivo com Portugal a crescer acima da média da União Europeia, algo que já não acontecia desde o século passado, tendo alcançado o primeiro superavit em democracia em 2019.

Para a recuperação económica e social do país, é necessário separar aquilo que são problemas de índole conjuntural dos de natureza estrutural, que já perduravam na pré-pandemia, destacando-se: o nível de produtividade, muito abaixo da média da UE e da OCDE; o endividamento de famílias, empresas e estado, totalizando cerca de 350% do PIB; e o nível de poupança interna, 3 vezes abaixo da média da zona Euro.

No momento em que nos preparamos para receber vultuosas subvenções europeias, devemos privilegiar aquilo que são ações inadiáveis e que incontornavelmente afetarão o futuro do país e, consequentemente, do setor da construção e do imobiliário.

O quadro financeiro plurianual e o fundo de recuperação europeu, em conjunto com o encerramento do PT2020, deverão garantir a Portugal, em média, cerca de 6 mil milhões de euros por ano no horizonte 2030. É sabido, contudo, que as medidas delineadas já foram contempladas em planos de fomento de governos anteriores, e mais recentemente no QREN e no PT2020, e que nunca se conseguiram executar integralmente.

Perante um nível de fundos sem precedentes, estaremos potencialmente numa situação de meios limitados face às necessidades, tendo as empresas nacionais que mobilizar um esforço conjunto para se poderem dimensionar, capacitar e posicionar de forma competitiva perante as suas concorrentes internacionais. Para tal, é fulcral realizar, quanto antes, o planeamento e calendarização do investimento estruturante, dando a conhecer o volume, o tipo de obras e a forma como vão ser lançadas e realizadas. 

De salientar, porém, que os fundos europeus não são dinheiro garantido. É preciso primeiro estabilizar objetivos e cumprir um conjunto de condicionalidades para então conseguir os reembolsos pretendidos, considerando os necessários mecanismos de escrutínio sobre a boa aplicação dos financiamentos atribuídos e da transparência das operações. Prevê-se que o dinheiro da bazuca europeia comece a chegar em junho de 2021, pelo que o tempo para garantir a adequada preparação escasseia.

De entre as áreas prioritárias para investimento ao longo da década detaca-se a rede de infraestruturas, nomeadamente ferrovia, metros, aeroporto, portos, e outras obras estruturantes. De facto, o investimento público na construção é uma medida eficaz na atenuação dos efeitos de uma recessão, por via do seu efeito mutiplicador da produção e do emprego, principalmente agora em que setores-chave como o turismo estão condicionados devido ao problema de saúde pública.

Ao nível privado, o investimento estrangeiro deve ser fortemente incentivado, como forma de captar poupança externa, atendendo à nossa economia altamente endividada e descapitalizada. Deveria iniciar-se com reformas fiscais, transferindo o peso sobre a criação de riqueza para outras formas de tributação. Garantir uma produtividade mais competitiva é também uma métrica relevante, assim como reduzir os custos de contexto relativos à burocracia e à justiça. Por fim, um dos fatores mais valorizados pelos investidores: estabilidade política em torno de um rumo estratégico para o país, que poderia ser facilitada através de pactos de regime. 

2021-2030 constitui uma oportunidade única para o setor da construção e imobiliário, que expetavelmente será impulsionado com investimento estruturante contemplando múltiplas dimensões, destacando-se a modernização das infraestruturas e o aumento da resiliência do território face às alterações climáticas.

Todavia, o sucesso dos próximos anos estará comprometido caso não sejam atendidos problemas não só conjunturais, mas sobretudo estruturais que condicionam o investimento e a capacidade produtiva, e caso não sejam adotados os mecanismos de implementação e controlo mais adequados na aplicação dos fundos.

Bruno de Carvalho Matos

Engenheiro Civil Sénior MRICS PMP MSc e MBA pela Católica | Nova

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico